"A escada para o Reino dos Céus está escondida em tua alma. Mergulha para dentro dos pecados que estão em ti mesmo e, assim, encontrarás ali uma escada pela qual poderás ascender" Isaac de Nínive.
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Obs.: Abaixo, tradução do versículo bíblico para outras línguas:

"POR ISSO A ATRAIREI, CONDUZI-LA-EI AO DESERTO E FALAR-LHE-EI AO CORAÇÃO" Oséias 2,16
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sábado, 10 de dezembro de 2011

A Palavra que se fez carne



“Quando se manifestou a bondade de Deus, nosso Salvador, e Seu amor aos homens, não se fixou no que de bom havíamos feito, mas teve misericórdia de nós e nos salvou”  Tito 3, 4-5.



* * *

Acompanhando os relatos contidos nas Escrituras sagradas, não é difícil a percepção de como Deus em toda história da salvação se mantém como o protagonista em iniciativas concretas, que buscam a todo custo inventar uma maneira por onde o Seu povo, por meio da reconciliação, continuasse sendo salvo.

No princípio, o chamado divino impetrado no coração do homem perfez a caminhada de fé – por meio da qual Deus se revela – rumo ao Ser supremo como o criador de todas as coisas, encontrando sua concretude no apelo interior feito um dia a Abraão, historicamente falando. É dessa figura ilustre, considerada como o pai de uma multidão de filhos por seu exemplo de fé incondicional à vontade divina, que se construíram os alicerces de um povo, marcado pelo encantamento tanto da ideia como da certeza alicerçada na confiança de um Deus supremo, onde, apoiados na esperança, marchavam rumo Àquele de quem provinha todas as coisas.

É por meio da fé que encontramos o ponto de partida compreensível da ascensão da alma a Deus, ainda que pelo mistério que a envolve, no que concerne ao âmbito espiritual/divino, para a formação das comunidades – quaisquer que sejam – congregadas por uma mesma comunhão de bens espirituais ou até mesmo materiais quando nos referimos ao esforço conjunto de bem comum; é desse passo, inerente à toda experiência religiosa no homem, que não poderia deixar de existir na história salvífica um protótipo mais perfeito que Abraão, como o foi bem mais fortemente acentuado ao povo da antiga aliança, estendendo-se também de forma singular e estreita na concepção das raízes cristãs, na qual se unem por uma mesma orientação de confiança.

É importante sublinhar que, quer no chamado interno à fé, ou ainda nos acontecimentos que giram em torno da comunidade alicerçada pela comunhão dos bens divinos, o protagonista é sempre Deus, que em tudo quer a participação de sua gente, como forma de colaborar consigo na construção do mundo.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Espiritualidade dos Padres do Deserto





"Certa vez, perguntaram a um ancião o caminho que levava ao abade António...
'Na caverna de um leão vive uma raposa', respondeu ele".




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Os mestres cristãos do deserto floresceram, explodiram num ápice que durou três séculos, do III ao VI depois de Cristo. Constantino tinha restituído aos cristãos, pouco tempo antes, o direito a existirem, rompendo com o Dogma de Cómodo — Cristianous me éinai, os cristãos não são —, e subtraído com uma certa suavidade a jovem religião ao terreno espantosamente húmido do martírio, aos tempos incomparáveis das catacumbas.

Isto significava, evidentemente, entregá-la a esse perigo mortal que se manteve por dezoito séculos: o pacto com o mundo. Enquanto os cristãos de Alexandria, de Constantinopla, de Roma, regressavam à normalidade dos dias e dos direitos, alguns ascetas, aterrados com esse possível pacto, fugiam correndo, para se embrenharem nos desertos da Cétia e da Nitria, da Palestina e da Síria. Embrenhavam-se num radical silêncio que só alguns dos seus ditos conseguiram romper, bólides dirigidos a um céu insondável. Em verdade, a maior parte desses ditos foi pronunciada para nada revelarem, tal como a vida desses homens quis ser igual à vida de «um homem que não existe». («Dizia-se dos Cetiotas que se algum conseguia surpreender as suas práticas, ou seja, se alcançava o conhecimento das mesmas, tal não era considerado virtude mas antes pecado»).

terça-feira, 18 de outubro de 2011

O voltar-se para dentro de si...



"Santo assassino"  




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Estamos acostumados a ouvir histórias de santos que desde a infância tiveram uma adesão humilde e forte à fé recebida em seu santo Batismo. Santos que se tornaram notáveis pelo amor incondicional à Igreja e ao próximo. Santos que gozavam de tamanha fé que lhes permitia operarem grandes milagres. Isto fez com que alguns encarassem a santidade como algo extraordinário, impossível de ser alcançado. Eis a razão pela qual muitos se escandalizaram quando foi encerrada a fase de informação diocesana e aberto o processo de beatificação de Jacques Fesch, jovem francês, condenado à prisão e finalmente executado na guilhotina há 53 anos, por ter matado um policial e ferido um funcionário de uma casa de câmbio numa tentativa de roubo.

Nascido em família rica, filho de um poderoso banqueiro belga, ateu e adúltero, indiferente quanto à formação religiosa de seus filhos. Não possuía gosto pelos estudos. Foi enviado à Alemanha para combater pelo exército francês. Depois de ter prestado serviço militar, foi-lhe arranjado um emprego com alto salário em um banco, sendo demitido após três meses. Levava uma vida mundana. Com fama de playboy, era dado à bebedeiras e frequentemente se envolvia com prostitutas. Casou-se aos 21 anos numa cerimônia civil com Pierrette Polack, filha da vizinha, que estava esperando um filho seu. Seus pais, antissemitas, não aceitaram o fato de sua nora ser filha de pai judeu. Não obstante o nascimento da filha, o jovem Fesch continuou a se encontrar com outras mulheres. Desses encontros nasceu Gérard, filho bastardo que foi entregue aos cuidados de um orfanato. Logo após, o casal se divorciou.

Inquieto e deprimido, pretendendo fugir das responsabilidades da família que, muito jovem, havia formado, decidiu empreender uma navegação solitária em redor do mundo. Pediu a seus pais a ajuda financeira necessária para comprar um barco e realizar tal viagem. Eles, não compreendendo a delicada situação emocional de seu filho, tendo-o por desequilibrado e ilusionista, negaram todo o apoio. A fim de conseguir recursos para o seu plano, acertou com o famoso cambista Alexander Silberstein a troca de dois milhões de francos por barras de ouro. No entardecer do dia 25 de fevereiro de 1954, dirige-se à casa de câmbio. Lá, apontou um revólver e exigiu a entrega do dinheiro que estava guardado na registradora. O cambista reagiu, sendo atingido com duas coronhadas na cabeça. Enquanto fugia com a quantia roubada, por meio de uma rua movimentada, deparou-se com um policial, Jean Vergne, de 35 anos, viúvo e pai de uma filha pequena. O policial, que havia sido alertado por alguém que estava a passar, de que aquele jovem havia assaltado uma casa de câmbio, ordenou que ele parasse e se entregasse. Hesitante, o jovem atirou três vezes, o que custou a vida do policial. Revoltada, a multidão começou a perseguir o assassino, que continuava a atirar, ferindo uma moça no pescoço. Finalmente, ele se rendeu e foi preso.


domingo, 16 de outubro de 2011

Evágrio Pôntico (sobre a oração)





Evágrio Pôntico - séc. IV


Traduzido por Jean Gouillard



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Originário da Capadócia, discípulo de são Gregório Nazianzeno, passou os últimos dezesseis anos de sua vida no Egito, como anacoreta.

Herdeiro dos grandes Alexandrinos, Clemente e Orígenes, ele cunhou, sob a nova forma da centúria espiritual, os princípios de uma mística decididamente intelectualista. A ascensão espiritual consiste em reintegrar a alma na «contemplação primeira», em que ela verá a Deus em si mesma, como num espelho. No caminho, o espírito - o noüs - terá de se despojar dos pensamentos apaixonados; depois, mesmo dos próprios pensamentos simples, até a completa nudez de imagens, de conceitos e de formas. A contemplação primeira será então realizada e, com ela, a oração perfeitamente pura, que é apenas outro nome daquela.

Evágrio conduz uma das grandes correntes da espiritualidade bizantina. João Clímaco, Máximo, o Confessor, Simeão, o Novo Teólogo, os Hesicastas, são seus herdeiros. Implicado na condenação do origenismo (em 553), acham desagradável citá-lo, mas ele penetra em toda parte: plagiam-no ou reproduzem-no, com o inconveniente de anatematizá-lo na passagem, como João Clímaco, por exemplo.

A Filocalia - deixando de Lado o bem Laborioso e às vezes pueril «Evágrio do pobre», assinado Teodoro de Edessa - apresenta quatro textos do Pôntico: Esboço da vida monástica (P.G. t. 40., cc. 251s.), Discernimento das paixões e dos pensamentos (P.G. t. 79, cc. 1199s.), Trechos escolhidos nos capítulos sobre a sobriedade (P.G. 40, Capita pract. passim) e finalmente, sob o nome de Nilo, Tratado sobre a oração (P.G. t. 79, cc. 1165-1200), ao qual nos limitaremos aqui, considerando de bem perto a preciosa interpretação do Pe. I. Hausberr, que é um «Evágrio comentado por ele mesmo».

Sem falar da oração do coração, Evágrio destaca, com insistência, um certo número de traços encontrados de ponta a ponta da Tradição: guarda do coração, despojamento do espírito; simplificação da oração; ilusões, imagens, formas etc.


2. A purificação, da alma, através da plenitude das virtudes, torna a disposição da inteligência inabalável e apta a receber o estado procurado.

3. A oração é uma conversa da inteligência com Deus: que estado não é, pois, necessário, para essa tensão sem retorno, para ir a seu Senhor e conversar com ele, sem nenhum intermediário?

4. Moisés, quando quis aproximar-se da sarça ardente, foi impedido de fazê-lo, até que tirasse os sapatos. E tu, que pretendes ver Aquele que ultrapassa todo pensamento e todo sentimento, como não te libertas de todo pensamento apaixonado?

5. Primeiramente, ora para obter o dom das lágrimas; assim, poderás suavizar, pela compunção, a dureza inerente à tua alma e, confessando tua iniqüidade contra ti, ao Senhor, obter dele o perdão.

9. Mantém-te corajoso e ora com energia; afasta as preocupações e as reflexões que se apresentarem, pois elas te perturbam e te agitam, debilitando o teu vigor.

10. Os demônios te vêem cheio de ardor pela verdadeira oração? Eles te sugerem, então, o pensamento de certas coisas, que te apresentam como necessárias. Depois, não tardam a avivar a lembrança que a elas se liga, levando a inteligência a procurá-las. A inteligência não as encontra, entristece-se profundamente e se aflige. Chegado o momento da oração, eles devolvem então à memória os objetos de suas buscas e de suas lembranças; assim, enfraquecida por essas associações, ela não, vai conseguir realizar a oração proveitosa.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

A pureza de Coração






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É nas palavras de Jesus que podemos encontrar um melhor entendimento sobre a pureza de coração ao se dirigir ao povo em seu discurso no sermão da montanha.[1]

Em primeiro lugar, é importante ressaltar aqui o papel de Jesus ao considerar sua posição diante daqueles a quem se dirigia; Ele está no monte. Esta posição de Jesus sobre o monte, diante de uma multidão que o escutava, nos faz lembrar os antigos legisladores da lei, a saber, Moisés, conhecido como o grande legislador ou intérprete da lei divina, que reuniu o povo cativo em marcha para o lugar onde Deus mesmo havia indicado – a terra da promessa – embora não a tivesse conhecido.

Com toda a experiência vivida por aquele povo que O seguia – marcado pelo sofrimento e a dor – ao sublinharmos a consideração sob o contexto em que se econtrava, desfigurou-se ao longo dos séculos de história, notadamente pelo afastamento de Deus e as conseqüências desse desligamento que lhes são esperadas, a verdadeira imagem divina em seu coração já fatigado pela humilhação e o poder romano que o dominava. Desta real situação se confunde, quase como que imperceptível ante os olhos das massas, e se insurge – por assim dizer – como fato gritante, ainda que tênue, mas expressivo em seu real e profundo desejo de contemplação de Deus.

Assim nos apresenta Jesus seguido de seu discurso:

Bem-aventurados os puros de coração, porque verão Deus” (Mt 5, 8).

Ora, contemplar a face de alguém que reconhecemos haver uma estreita ligação, segundo os cuidados que recebemos ao longo do caminho é reconfortante e revigorador em nosso espírito, ou seja, da alegria da alma. Podemos citar o olhar da criança que a todo o momento busca e se alegra, ao reconhecer em seus pais o porto seguro de sua vida, que ao se criar por meio da presença reconhecida, a constatação de bem e prazer, o acolhem como o gozo de seu momento único.

Por certo, este mesmo prazer é a certeza que se estabelece para o desbravamento do mundo com a confiança devida em detrimento dos perigos que sua imaginação ou intuição aponta e que tem sua razão de ser no conhecimento superficial ou concreto do meio em que vive.

Um outro aspecto de compreensão do que vem a ser a ‘contemplação de Deus’ está ligado com a verdade, distanciada, apartada da hipocrisia, ou seja, está ligada àquela atitude capaz de detectar e aceitar aquilo que ‘é’ sem o prejuízo de nossas pré-concepções ou julgamentos, atrelados ao nosso pré-conceito sobre a real definição das coisas ou acontecimentos, etc.

Em outras palavras, ter o ‘coração puro’, “Capax Dei” (capaz de Deus), é estar sempre aberto em acolher aquilo o que de fato ‘é’ – ainda que envolto em seu problema característico – sem as nuanças da instabilidade de nossas vãs certezas, ou se preferir, de tudo aquilo que nos afasta de nossas experiências reais e concretas, somadas à verdadeira intenção de coração.

Bem-aventurados os puros de coração, porque verão Deus

Não podemos fugir à realidade de nosso pré-conceito (ou julgamento) sobre nós mesmos, sobre os outros e Deus, ao se tratar da real ‘visão do objeto que se almeja tocar’. Está aqui, a meu ver, mais uma vez, quase que como uma repetição, ao podermos identificar nessa atitude tão corriqueira em nosso dia-a-dia, como sendo o fundamento que nos impede da contemplação ‘real’ e ‘pura’ que se atrela ao apego desmedido da imaginação tão presente, encarnada e tentadora de nossos ‘achismos’.

Para os pais do deserto, a primeira batalha empreendida na vida espiritual começava sempre no terreno das imaginações, pelo fato de ser aí o espaço favorável da ação demoníaca que se esforça ininterruptamente[2] em nos confundir e distorcer a real imagem das coisas, de nós mesmos, dos outros e conseqüentemente de Deus.

No decorrer da caminhada monástica que tracei, ouvi uma vez um ancião monge e sábio dizer: “Quanto mais idealizamos Deus, mas Ele se afasta de nós tão grande é a Sua realidade”.

Na esfera de nossas relações com o próximo não lhe caberia aqui a mesma sentença, visto que o homem também é um mistério? No âmbito da natureza criada, constatamos a cada dia as surpreendentes conquistas e descobertas que parecem não estar finalizadas, visto que há muito mais a ser desvendado diante do grande mistério que é o mundo, mediante, é claro, uma busca sincera e benévola.

O fato é que, encontramos ao nosso redor a forma de exercitarmos na compreensão, ou então aceitação de nossos limites na apreensão do mundo onde nós mesmos estamos inseridos para só assim ascendermos ao conhecimento de Deus.

O primeiro lugar a ser reconhecido nessa busca é o próprio interior de cada coração com tudo o que existe aí, com toda a sua verdade, onde, como o ouro em meio aos vermes ou o diamante em sua forma bruta, ou ainda como uma linda flor que se desabrocha da lama ao revelar por meio desse fenômeno a presença misteriosa de Deus, que por vezes se encontra despercebido por conta de nossa negação.

Pois desta verdade temos a narrativa dos evangelistas Lucas e Mateus seguida de resposta do próprio Jesus: “Os fariseus perguntaram um dia a Jesus quando viria o Reino de Deus. Respondeu-lhes então: O Reino de Deus não virá de um modo ostensivo. Nem se dirá: Ei-lo aqui; ou: Ei-lo ali. Pois o Reino de Deus está dentro de vós” (Mt 7, 20-21).

O Reino de Deus é o ápice por assim dizer do que vem a ser de fato o estado de Sua presença no homem; algo conquistado por meio de uma experiência íntima, e como o termo já o revela, engloba toda a vida do homem em sua particularidade.







By Maurus


[1] Cf. Mt 5, 1-48.
[2] Cf.1 Pd 5, 8.


quinta-feira, 22 de setembro de 2011

A atitude que liberta






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É do conhecimento de todos que o mandamento se resume numa só palavra, e, universalmente falando, podemos dizer que a mesma é entendida em todas as experiências do homem, como por meio das mais variadas culturas existentes sobre o orbe, mencionadas em todas as línguas, e, que, encontra sua razão de ser no verbo “AMAR” (Dt 6, 5; Lv 19, 18; Mt 22, 37).

Sem dúvida alguma, quis a sabedoria divina através deste movimento, embora velada em seu mistério trinitário, resumir apontando nesta única palavra, a verdadeira raiz explicativa para o mal, conhecido de todos os tempos, e que, inconscientemente, passa despercebido pelo olhar conturbado de uma grande maioria. Numa primeira análise, todo o mandamento tem como ponto de partida, ou se quiser, como objeto primeiro o coração particular de quem o recebe, sendo que este mesmo está sempre em vista do convívio comunitário.

A verdadeira raiz citada acima é, sobretudo, o fato de imperar, no caminho que vamos traçando em nosso dia-a-dia, a má aceitação a tudo que nossas ações possam nos definir, em outras palavras, a tudo que de certa forma nos designa em nosso estado débil, com relação às dissensões entre nossa alma e nosso espírito.

Se o mandamento está no amor, encontramos aí o antídoto para todo o mal atrelado às ações deveras insubordinadas à nossa condição, e que sem equívoco algum passa pelo olhar de cada pessoa em sua particularidade, ao se confrontar com sua própria verdade, quer conscientes ou não. Pelo olhar criamos a possibilidade de bem ou de mal em vista do que vamos alimentando no coração, como: alegria ou tristeza, perdão ou ódio, bondade ou maldade, etc. No decorrer dos anos vividos a pessoa aprende desde seu nascimento a criar mecanismos de defesa que nem se tem consciência do porquê de suas manifestações presentes, mas elas estão aí, guardadas em algum lugar de nosso inconsciente, para reforçar a urgência de um olhar que permita entender o mais profundo de nossa verdade como forma de ascender à verdadeira liberdade.

Seguindo uma linha de pensamento proposta por Jesus a seus discípulos, nos deparamos com o Seu dizer: “Conhecereis a verdade e ela vos libertará” (Jo 8, 32). Notemos que o mesmo transmite esta sentença, instantes depois em que lhe fora apresentado uma mulher, a qual fora surpreendida e acusada como adúltera; o relato como se dá este feito, que se tornara público, todos conhecem bem. Este discurso é antecedido por outras sentenças como: “Eu sou a luz do mundo...” (Jo 8, 12a) e ainda: “Vós julgais segundo as aparências; eu não julgo ninguém” (Jo 8, 15).

Evidentemente que para se alcançar a luz da verdade e do entendimento que jamais engana é preciso estar aberto à orientação que o Espírito vai engendrando em nosso interior ao longo do caminho; para os Pais do deserto não fora diferente. Como discípulos atentos a toda movimentação da ação divina dentro de si, foi-se concebendo o que O mesmo lhes inspirava, ou seja, uma total abertura e despojamento da fantasia que antes se fazia de si mesmo, ao acolher sua verdade nua e crua.

Uma das graças que se adquire com a intimidade do Espírito é que O mesmo conduz todo homem a situações de confronto, tal como aconteceu com Jesus quando fora conduzido para o deserto para aí ser tentado pelo demônio (Ver: Mt 4, 1).

Sem a luz que vem do alto corre-se o perigo de se perder para sempre diante da realidade obscura a que fomos acometidos pelo histórico de vida que nos acompanha e nos revela quem somos de fato, ainda que inconscientemente, no decorrer de nossa peregrinação neste mundo ao nos depararmos com o que existe de mais sombrio em nossas ações e desejos os mais secretos. O amor é um bem a ser salvaguardado de nosso próprio eu egoísta, que julga sem medida, acusa, impõe, distorce, manipula, subjuga e destrói, vetando a possibilidade de se enxergar de fato toda a verdade como ela é, talvez pelo medo ou vergonha de se descobrir inferior, ou ainda, o mais vil de todos.

Não se pode dá o passo para a verdadeira liberdade se não acolhemos com “AMOR” aquilo que a luz nos faz estar conscientes no momento. É daí mesmo que se constata que, o primeiro receptor do mandamento de “AMAR” é cada pessoa em sua particularidade específica, visto que não poderemos amar o nosso próximo senão somos capazes de fazê-lo por nós mesmos. Não significa aqui enfatizar pelo orgulho exaltado de um mal que não seja reconhecido, ao contrário, ao se inteirar do mal que o envolve esta pessoa se torna capaz, com a ajuda da graça, de aceitá-lo como seu e se reconciliar com ele.

Dessa experiência de amar a si mesmo se mistura àquela experiência de Deus já que não existe encontro no amor que não subsista ou venha d’Ele próprio.

O meio pelo qual podemos enfraquecer as forças do inimigo, e este pode vir a ser qualquer uma das sombras que de alguma forma tenham influência em nossas ações, em nossa realidade concreta – que não queremos sequer ter contato – é o caminho contrário, ou seja, o do confronto, e a partir daí o da reconciliação com o que existe de mais indesejado. Desta realidade podemos comparar com as exortações dadas por Jesus no sermão da montanha quando ao povo que o instruía lhes disse: “Entra em acordo sem demora com o teu adversário, enquanto estás em caminho com ele, para que não suceda que te entregue ao juiz, e o juiz te entregue ao seu ministro e sejas posto na prisão” (Mt 5, 25).

A cura do amor em nós é algo urgente, já que o seu enfraquecimento é deveras confundido ou sequer percebido em seu definhar, misturado aos enganosos conceitos de verdadeira vida de santidade e busca de Deus. Podemos apontar razões que nos indiquem o mal entendido entre amar de verdade, a começar fazendo atenção para os nossos julgamentos no dia. Tudo o que apontamos no outro é algo mal resolvido em si mesmo, que por não estar reconciliado, enxergamos no que está a nossa volta aquilo que nos é devido, em outras palavras, aquilo que deixei de amar e perdoar em mim mesmo, por isso ela se insurge no julgar o nosso próximo.

Sendo assim, é nos dirigida a exortação de Jesus:
Não julgueis, e não sereis julgados. Porque do mesmo modo que julgardes, sereis também vós julgados e, com a medida com que tiverdes medido, também vós sereis medidos” (Mt 7, 1-2).

E noutro lugar, O mesmo nos interroga: “Por que olhas a palha que está no olho do teu irmão e não vês a trave que está no teu? Como ousas dizer a teu irmão: Deixa-me tirar a palha do teu olho, quando tens uma trave no teu?” (Mt 7, 3-4).
Para se perceber isso é preciso muita atenção e vida sob a guia do Espírito que nos esclarece todas as coisas. Alcançar a verdadeira liberdade requer atitude e coragem de se reconciliar com o nosso próprio eu, os nossos próprios fantasmas, que por certo nos aborrecem.






Exercício espiritual  
Na vida espiritual de cada pessoa que busca verdadeiramente a Deus – e esta segundo os pais do deserto, não se concretiza em sua forma a mais pura se não acontece no confronto consigo mesmo – é necessário que se estabeleça métodos regulares que nos ajudem no desenrolar de uma ‘união perfeita’ que reclame a consciência de nossos atos, deveras influenciados segundo nossa má inclinação.
Antigamente se falava muito no “exame de consciência”, o qual era recomendado fazer todas as noites antes do repouso noturno, o que não significa, embora não se ouça mais tanto sua menção hoje em dia, que essa prática tenha sido abolida em nosso tempo atual.  Conceder a si mesmo uma pausa durante a noite para recapitular tudo àquilo que possamos ter feito de mal durante o dia, e que por algum motivo tenha passado despercebido de nossa consciente atenção, seguramente irá nos ajudar a identificar em que mal insistimos permanecer – ainda que inconscientemente – como um convite a reconciliação sincera de suas repetidas falhas.  

# Este é o ensinamento deixado como herança pelos nossos antigos pais na fé.


                                                                                            By Maurus

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quarta-feira, 17 de agosto de 2011

A Sabedoria do deserto




Por: Thomas Merton


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No século IV d.C., os desertos do Egito, Palestina, Arábia e Pérsia foram habitados por uma raça de homens que deixou como rastro uma estranha reputação. Foram os primeiros eremitas cristãos, indivíduos que abandonaram as cidades do mundo pagão para viver sozinhos. Por que fizeram isso? As razões são muitas e variadas, mas podem ser sintetizadas em apenas uma: a busca pela "salvação". E o que era salvação? Com certeza, nada que pudesse ser encontrado na mera conformidade exterior aos costumes e regras de um grupo social. Naquele tempo, os homens haviam adquirido uma consciência aguda da qualidade estritamente individual da "salvação". A sociedade - que significava a sociedade pagã, limitada pelos horizontes e perspectivas da vida "neste mundo" - era considerada por eles um naufrágio do qual cada indivíduo por si só deveria nadar para salvar a própria vida. Não precisamos nos deter aqui e discutir a justiça dessa visão, o que importa é considerá-la como um fato. Esses homens acreditavam que deixar alguém à deriva, sujeitando-se passivamente aos dogmas e valores do que conheciam como sociedade, era um desastre puro e simples. O fato de que o imperador era agora cristão e que o "mundo" começava a enxergar a cruz como símbolo de poder temporal apenas reforçava a resolução deles.

Essa resolução pode nos parecer muito mais estranha do que é, uma fuga paradoxal do mundo no momento em que este havia atingido o ápice em termos de dimensão (quase escrevi frenesi) e se tornado oficialmente cristão. Esses homens devem ter pensado, como alguns raros pensadores modernos (Berdiaeff é um deles), que não faz sentido a existência de algo como um "estado cristão". Eles parecem ter duvidado de que cristianismo e política pudessem se misturar a ponto de constituírem uma sociedade cristã plena. Em outras palavras, para eles, a única sociedade cristã era espiritual e extramundana: o Corpo Místico de Cristo. Trata-se com certeza de visões extremas e é quase um escândalo lembrar delas em um tempo como o nosso, em que a cristandade é acusada por todos os lados de pregar o negativismo e o retraimento - de não ter meios efetivos para lidar com os problemas da sua época. Mas não sejamos muito superficiais. Os Padres do Deserto lidaram com os "problemas de sua época", na medida em que pertenciam à vanguarda de seu tempo, e abriram o caminho para o desenvolvimento de um novo homem e uma nova sociedade. Representam o que os filósofos sociais modernos (Jaspers, Mumford) chamam de o surgimento do "homem axial", precursor do homem personalista moderno. Os séculos XVIII e XIX, com seu individualismo pragmático, degradaram e corromperam a herança psicológica do homem axial devida aos Padres do Deserto e a outros religiosos contemplativos e prepararam o caminho para a grande regressão à mentalidade de rebanho que prevalece hoje em dia.

A fuga desses homens para o deserto não teve um caráter puramente negativo ou individualista. Eles não se rebelaram contra a sociedade. É verdade que eram em certa medida "anarquistas", e não seria errado considerá-los sob essa perspectiva. Tratava-se de homens que não acreditavam em ser controlados e comandados passivamente por um estado decadente, e que acreditavam na existência de uma vida não atrelada à aceitação submissa dos valores aceitos e convencionais. Contudo, não pretendiam se colocar acima da sociedade. Não a rejeitavam com orgulho e desdém, como se fossem superiores aos outros homens. Pelo contrário, uma das razões pelas quais fugiram do "mundo" foi que os homens estavam divididos entre aqueles que atingiam o sucesso e impunham seus desejos aos outros e aqueles que tinham de ceder e aceitar a imposição. Os Padres do Deserto recusavam-se a ser comandados, mas não tinham nenhum desejo de comandar. Tampouco fugiram da sociedade humana - o fato de fornecerem "conselhos" uns aos outros evidenciava uma característica eminentemente social. Buscavam uma sociedade em que todos os homens fossem realmente iguais e a única autoridade abaixo de Deus fosse a autoridade carismática da sabedoria, da experiência e do amor. Claro que aceitavam a autoridade benevolente e hierárquica dos bispos, que, todavia, estavam muito distantes e opinavam pouco sobre o que acontecia no deserto, até a grande controvérsia origenista no final do século IV.

O que os Padres queriam acima de tudo era encontrar a si mesmos em Cristo. E para isso, tinham de rejeitar completamente o "falso eu", formal, fabricado sob a coerção social no "mundo". Buscavam um caminho que levasse a Deus e que não estivesse traçado, que pudesse ser escolhido livremente, que não fosse predeterminado por outros de antemão. Buscavam um Deus que pudessem encontrar por si mesmos, e não um Deus "recebido" em um formato fixo e estereotipado. Não que rejeitassem as fórmulas dogmáticas da fé cristã: eles as aceitavam e as adotavam em sua feição mais simples e elementar. Porém, demoraram (pelo menos no início, no tempo da sabedoria primitiva) a se envolver em controvérsias teológicas. A fuga aos horizontes áridos do deserto significava também uma recusa ao contentamento com a verborragia técnica, de argumentos e conceitos.
Estamos falando exclusivamente de eremitas. Também havia cenobitas no deserto, centenas, milhares deles, vivendo o "cotidiano" em mosteiros enormes, como o fundado por São Pacômio em Tabena. Essas comunidades tinham uma ordem social, uma disciplina quase militar. Contudo, o espírito ainda era em grande parte de personalismo e liberdade, porque mesmo os cenobitas sabiam que suas regras eram apenas uma estrutura externa, como uma armação de andaimes que os ajudaria a construir as próprias vidas com Deus. Os eremitas, por sua vez, eram sob todos os aspectos mais livres. Não tinham nada a que se "conformar" exceto à vontade secreta, oculta e inescrutável de Deus, que devia diferir notavelmente entre uma cela e outra! É bastante significativo que o primeiro desses Verba (número 3) é aquele em que a autoridade de Santo Antão é citada de acordo com o princípio básico da vida no deserto, qual seja, que Deus é a autoridade e que além de Sua vontade manifesta há poucos princípios, ou nenhum: "Portanto, ao perceber em sua alma qualquer desejo em acordo com Deus, realize-o e assim manterá seu coração a salvo."

Claro que tal caminho só poderia ser percorrido por alguém muito atento e sensível aos sinais de um lugar ermo, sem trilhas. O eremita tinha de ser maduro em sua fé, humilde, desapegado de si mesmo de forma atroz em todos os sentidos. Os cataclismos espirituais que às vezes arrebatavam alguns dos visionários soberbos demonstram as ameaças da vida solitária - como ossos embranquecendo na areia. O Padre do Deserto não podia ser um iluminista. Não podia se arriscar ao apego ao ego, ou aos perigos do êxtase da vontade própria. Não podia reter a mais leve identificação com seu eu superficial, transitório e autoconstruído. Deveria se deixar levar pela realidade interna e oculta de um eu transcendente, misterioso, não totalmente conhecido e entregue a Cristo. O Padre do Deserto deveria morrer para os valores da existência transitória como o fez Cristo na cruz, e levantar-se dos mortos com Ele, sob a luz de uma sabedoria completamente nova. Portanto, uma vida de sacrifícios, que tinha início após uma ruptura explícita que separava o monge do mundo. Uma vida em permanente "compunção", que o ensinava a lamentar a loucura do apego a valores irreais. Uma vida de solidão e trabalho, pobreza e jejum, caridade e oração, que removesse o antigo ego superficial e permitisse o surgimento gradual do eu verdadeiro e secreto, no qual o crente e Cristo fossem "um único Espírito".

Por fim, o termo próximo de toda essa luta era "a pureza do coração" - a visão nítida e desobstruída do verdadeiro estado das coisas, a compreensão intuitiva da própria realidade interna como ancorada, ou entregue, a Deus por intermédio de Cristo. O fruto desse processo era quies: "descanso". Não o descanso do corpo, nem mesmo a estabilização do espírito exaltado em um ponto ou ápice de luz. Os Padres do Deserto não eram, em sua maioria, extáticos. Os que eram deixaram atrás de si algumas histórias enganosas e esquisitas que confundem a questão essencial. O "descanso" que esses homens buscavam era simplesmente a sanidade e o equilíbrio de um ser que não necessitava mais olhar para si mesmo pois era levado pela perfeição da liberdade que possuía. Aonde? A qualquer lugar que o Amor ou o Divino Espírito considerasse apropriado. O descanso era, portanto, uma espécie de lugar-nenhum e não-intencionalidade que perderam toda a preocupação com o "eu" falso e limitado. Em paz, na posse de um "nada" sublime, o espírito mantinha-se, em segredo, acima do "tudo" - sem se preocupar em saber o que possuía.

Agora, os Padres não estavam nem mesmo preocupados o bastante com a natureza do descanso para falarem dele nesses termos, exceto muito raramente, como Santo Antão, quando observou que "a oração do monge não é perfeita até que não perceba mais em si mesmo o fato de estar orando". E isso foi dito casualmente, de passagem. De resto, mantinham-se afastados de tudo que fosse altivo, esotérico, teórico ou de difícil compreensão, ou seja, recusavam-se a falar sobre essas coisas. Na verdade, não se dispunham muito a falar sobre nada, nem mesmo sobre as verdades da fé cristã, o que explica a característica lacônica dos ditos.

Portanto, em muitos aspectos, os Padres do Deserto tinham muito em comum com os iogues indianos e com os monges zen-budistas da China e do Japão. Se fosse necessário achá-los nos Estados Unidos do século XX, teríamos de procurar em lugares insólitos e remotos. Infelizmente, são seres raros. Com certeza não vicejam nas calçadas da esquina da rua 42 com a Broadway. Talvez fosse possível encontrar homens dessa espécie entre os índios Pueblo ou Navajo, mas esses casos seriam inteiramente diferentes. Haveria a simplicidade e a sabedoria primitivas, mas arraigadas em uma sociedade primitiva. No caso dos Padres do Deserto, a ruptura explícita com o contexto social aceito e convencional ocorria para fugir e mergulhar em um vazio aparentemente irracional.

Embora seja possível argumentar que homens como os Padres do Deserto possam ser encontrados em alguns de nossos mosteiros de religiosos contemplativos, eu não iria tão longe. No nosso caso, trata-se de homens que deixam a sociedade do "mundo" para entrar em um outro tipo de sociedade, a da família de religiosos. Trocam os conceitos, valores e ritos de uma sociedade pelos da outra. E considerando que hoje já temos séculos de monasticismo, é necessário analisar o fato sob outra ótica. As "normas" sociais da família monástica também tendem a ser convencionais, e viver sob essas regras não representa um salto no vazio - apenas uma alteração radical de padrões e costumes. As palavras e os exemplos dos Padres do Deserto têm participado tanto da tradição monástica que o tempo os tornou estereótipos para nós, e não somos mais capazes de discernir sua admirável originalidade. Nós os enterramos, por assim dizer, em nossas rotinas e dessa maneira nos isolamos com segurança de qualquer choque espiritual da falta de convencionalidade deles. Mesmo assim, minha esperança ao selecionar e editar suas "palavras" é ter conseguido apresentá-las sob uma nova luz e manifestar novamente seu frescor.

Os Padres do Deserto foram pioneiros, não tinham nada a dar seguimento a não ser o exemplo de alguns dos profetas, como São João Batista, Elias, Eliseu e os Apóstolos, que também serviram de modelos. De resto, adotavam uma vida "angélica" e seguiam os caminhos inexplorados dos espíritos invisíveis. Suas celas eram como a fornalha de Babilônia, na qual, em meio às chamas, encontravam-se com Cristo.

Eles não almejavam a aprovação de seus contemporâneos, tampouco buscavam provocar qualquer reprovação porque as opiniões dos outros passaram a não ter mais importância. Não tinham nenhuma doutrina de liberdade estabelecida, mas de fato tornaram-se livres pagando o preço da liberdade.

De qualquer maneira, depuravam para si uma sabedoria muito prática e despretensiosa, ao mesmo tempo atemporal e primitiva, e que nos permite reabrir as fontes que foram poluídas ou bloqueadas pela recusa mental e espiritual acumulada da nossa barbárie tecnológica. Nossa época necessita desesperadamente desse tipo de simplicidade, necessita recuperar algo da experiência refletida nessas linhas. O termo a ser enfatizado é experiência. As poucas frases curtas reunidas neste livro têm pouco ou nenhum valor como informação apenas. Seria inútil folhear estas páginas casualmente e observar que os Padres disseram isto ou aquilo. Qual a vantagem em saber simplesmente que essas coisas foram ditas algum dia? O importante é que foram vividas. Que emanam de uma experiência nos níveis mais profundos da vida. Que representam uma descoberta do homem, ao final de uma jornada interna e espiritual muito mais essencial e infinitamente mais importante que a jornada até a lua.
O que ganhamos por viajar até a lua se não formos capazes de cruzar o abismo que nos separa de nós mesmos? Esta é a mais importante das viagens de descoberta, e sua falta torna todo o resto não apenas inútil, mas também desastroso. Uma prova: os grandes viajantes e colonizadores da Renascença foram, em sua grande maioria, homens que talvez fossem capazes de fazer o que fizeram justamente porque estavam alienados de si mesmos. Ao subjugar mundos primitivos, eles apenas impuseram, com a força de canhões, sua própria confusão e alienação. Exceções magníficas, como frei Bartolomeu de las Casas, São Francisco Xavier ou padre Mateus Ricci, apenas comprovam a regra.

Os ditos dos Padres do Deserto são recolhidos de uma coleção clássica, os Verba Seniorum, da Patrologia latina de Migne (volume 73). Os Verba distinguem-se de outras obras escritas dos Padres do Deserto pela plena falta de artifícios literários, por sua simplicidade total e honesta. As Vidas dos Padres são muito mais grandiloqüentes, dramáticas, estilizadas. Abundam em eventos maravilhosos e milagres. São fortemente marcadas pelas personalidades literárias que as protagonizaram. Os Verba, por outro lado, são relatos elementares e despretensiosos disseminados boca a boca na tradição cóptica, antes de serem estabelecidos pelo registro escrito em siríaco, grego e latim.

Sempre claros e concretos, sempre remetendo à experiência do homem formado pela solidão, estes provérbios e contos almejavam ser respostas simples a questões simples. Aqueles que iam ao deserto em busca da "salvação" pediam aos anciãos uma "palavra" que os ajudasse a encontrá-la - um verbum salutis, "palavra de salvação". As respostas não pretendiam ser prescrições gerais e universais. Ao contrário, eram chaves originalmente concretas e exatas para portas específicas que deveriam ser cruzadas, em determinados momentos e por determinados indivíduos. Apenas posteriormente, após muita repetição e muita citação, as respostas começaram a ser consideradas moeda comum. Para entender melhor estes ditos, precisamos levar em conta sua característica prática e, poder-se-ia dizer, existencial. Mas na época em que São Bento em sua Regra prescreveu a leitura freqüente e em voz alta das "Palavras dos Padres" antes das Completas, os ditos já haviam se tornado uma doutrina monástica tradicional.

Os Padres eram homens humildes e calados, e não tinham muito a dizer. Respondiam às perguntas com poucas palavras, iam direto ao ponto. Ao invés de fornecerem um princípio abstrato, preferiam contar uma história concreta. Essa brevidade, plena de conteúdo, alivia. Há mais luz e satisfação nestes ditos lacônicos do que em muitos tratados ascéticos extensos, fartos de detalhes de como ascender de um grau a outro da vida espiritual. As palavras dos Padres nunca são teóricas na acepção moderna do termo. Nunca são abstratas. Tratam de coisas concretas e dos trabalhos rotineiros da vida de um monge do século IV, mas o que transmitem serve da mesma maneira a um pensador do século XX. As realidades essenciais da vida interior estão presentes nelas: fé, humildade, caridade, submissão, discrição, abnegação. No entanto, expressar o senso comum não é a menor qualidade das "palavras de salvação".

Isto é importante. Os Padres do Deserto adquiriram posteriormente a fama de fanáticos em decorrência das histórias sobre seus feitos ascéticos, contadas por admiradores indiscretos. De fato, eles eram ascéticos, mas, quando lemos suas próprias palavras e vemos o que pensavam sobre a vida, descobrimos que em hipótese alguma eram fanáticos. Eram pessoas humildes, caladas, sensíveis, donas de um profundo conhecimento da natureza humana e suficiente compreensão das coisas de Deus para perceber que sabiam muito pouco a Seu respeito. Portanto, não se dispunham a proferir longos discursos sobre a essência divina, ou mesmo falar sobre o significado místico das Escrituras. Se esses homens falavam pouco sobre Deus, é porque sabiam que, quando alguém chegava a algum ponto próximo à Sua morada, o silêncio era muito mais significativo que um monte de palavras. O fato de o Egito, naquela época, fervilhar com controvérsias religiosas e intelectuais era uma razão a mais para que mantivessem suas bocas fechadas. Havia os neoplatônicos, os gnósticos, os estóicos e os pitagóricos. Havia diversos grupos vocais de cristãos ortodoxos e heréticos. Havia os arianos, a quem os monges do deserto resistiam veementemente. Havia os origenistas, e alguns dos monges eram seguidores fiéis e devotados a Orígenes. Em meio a todo esse barulho, o deserto não tinha outra contribuição a dar a não ser um silêncio discreto e desapegado.

Os grandes centros monásticos do século IV eram o Egito, a Arábia e a Palestina. A maioria destas histórias referem-se aos eremitas da Nítria e de Cétia, ao norte do Egito, próximas à costa do Mediterrâneo e a oeste do Nilo. Também havia muitas colônias de monges no delta do Nilo. Tebaida, próxima à antiga Tebas, mais em direção ao interior do Nilo, era um outro centro de atividade monástica, especialmente dos cenobitas. A Palestina desde cedo atraiu monges de todas as partes do mundo cristão, sendo São Jerônimo o mais famoso deles, que viveu e traduziu as Escrituras em uma caverna de Belém. Em seguida, havia uma importante colônia monástica ao redor do monte Sinai, na Arábia: os fundadores do monastério de Santa Catarina divulgaram recentemente a "descoberta" de obras de arte bizantinas preservadas lá.

Que tipo de vida levavam os Padres? Uma explicação pode nos ajudar a compreender melhor seus ditos. Os Padres do Deserto são normalmente chamados de "abades" (abbas) ou "anciãos" (senex). Um abade não era, como hoje, um superior eleito canonicamente pela comunidade, mas qualquer monge ou eremita que tivesse passado anos no deserto e provado ser um servo de Deus. Com eles, ou próximo a eles, viviam "irmãos" ou "noviços" - aqueles que ainda estavam no processo de aprendizado da vida. Os noviços ainda precisavam da supervisão contínua de um ancião, e viviam junto a um deles para serem instruídos por sua palavra e exemplo. Os irmãos viviam por conta própria, mas às vezes recorriam ao conselho de um ancião das redondezas.

A maioria dos personagens representados nos ditos e histórias são homens "a caminho" da pureza do coração, não homens que já a atingiram plenamente. Os Padres do Deserto, inspirados por Clemente e Orígenes, e pela tradição neoplatônica, às vezes se mostravam confiantes de que poderiam elevar-se acima de todas as paixões e tornar-se impermeáveis à raiva, à lascívia, ao orgulho e a todo o resto. Porém, podemos encontrar muito pouco nestes ditos que motivasse aqueles que acreditavam na perfeição cristã como apátheia (impassibilidade). O louvor aos monges "além de toda paixão" parece na verdade ser proveniente de turistas que passaram brevemente pelo deserto e voltaram às suas casas para escrever livros sobre o que haviam visto, e não daqueles que passaram toda a vida em uma região inóspita. Estes últimos estavam muito mais inclinados a aceitar as realidades comuns da vida e a se satisfazer com a porção ordinária do homem que tinha de lutar toda a vida para se superar. A sabedoria dos Verba pode ser vista na história do monge João, que se gabava de estar "além de qualquer tentação", e foi aconselhado por um ancião perspicaz a orar a Deus pedindo algumas poucas e boas batalhas concretas para que sua vida continuasse a valer alguma coisa.

Em certos momentos, todos os solitários e noviços reuniam-se para a synaxis litúrgica (missa e orações em comum) e, depois disso, podiam comer juntos e realizar uma espécie de assembléia para a discussão de problemas da comunidade. Em seguida, retornavam à solidão e passavam o tempo trabalhando e orando.
Sustentavam-se com o trabalho das próprias mãos, normalmente tecendo cestos e esteiras com folhas de palmeiras e juncos. Vendiam esses artigos nas cidades vizinhas. Às vezes há dúvidas nos Verba quanto a questões relacionadas ao trabalho e o comércio envolvido. Caridade e hospitalidade eram questões de prioridade máxima e precediam as rotinas ascéticas pessoais e o jejum. Os inúmeros ditos que apresentam evidências dessa benevolência afetuosa deveriam ser suficientes para responder a acusações de que os Padres odiavam a própria raça. Na verdade, havia mais amor, compreensão e cordialidade verdadeiros no deserto do que nas cidades, onde, como hoje, era cada um por si.

Este fato é ainda mais importante porque a essência propriamente dita do cristianismo é a caridade, a unidade em Cristo. Os místicos cristãos de todas as épocas buscaram e encontraram não apenas a unificação do próprio ser ou a união com Deus, mas a união entre si mesmos no Espírito de Deus. Buscar uma união com Deus que implicasse uma separação completa, em espírito e corpo, do resto da humanidade seria, para um santo cristão, não apenas absurdo, mas também o oposto da santidade. O isolamento no eu, a inabilidade de sair de si para ir ao outro, significaria a incapacidade para qualquer forma de auto-transcendência. Portanto, ser prisioneiro de si mesmo é, na verdade, estar no inferno: uma verdade que Sartre, embora confessando-se ateu, expressou de maneira muito interessante na peça Entre quatro paredes (Huis Clos).

Em todos os Verba Seniorum encontramos uma insistência reiterada na primazia do amor sobre qualquer outro aspecto da vida espiritual: sobre o conhecimento, a gnose, o ascetismo, a contemplação, a solidão, a oração. Na verdade, o amor é a vida espiritual, sem o qual todos os outros exercícios do espírito, embora elevados, ficam esvaziados de conteúdo e tornam-se meras ilusões. E quanto maior a elevação, mais perigosa a ilusão. O amor, com certeza, significa muito mais do que um simples sentimento, muito mais que favores ínfimos ou doadores de esmolas rotineiros. Amor significa uma identificação interior e espiritual com o irmão para que ele não se torne um "objeto" ao "qual" se "faz um bem". O fato é que o bem feito ao outro na forma de objeto tem pouco ou nenhum valor espiritual. O amor faz com que o indivíduo considere o vizinho como seu outro eu e o ame com humildade, discrição, reserva e reverência imensas e plenas, sem as quais ninguém pode se aventurar a ingressar no santuário da subjetividade do outro. Desse amor, toda brutalidade autoritária, toda a exploração, dominação e superioridade arrogante devem, necessariamente, estar ausentes. Os santos do deserto eram inimigos de todo e qualquer expediente, sutil ou flagrante, que o "homem espiritual" utilizasse para intimidar aqueles que considerasse inferiores, gratificando assim o próprio ego. Eles renunciaram a tudo que evocasse punição e vingança, por mais recôndito que fosse.

A caridade dos Padres do Deserto não se apresenta a nós como efusões pouco convincentes. A plena dificuldade e magnitude da tarefa de amar o outro é reconhecida em toda parte e nunca minimizada. É difícil amar de verdade o outro se o amor for compreendido em seu sentido pleno. O amor demanda uma transformação interna completa, pois, sem isso, não podemos nem mesmo nos identificar com nosso irmão. Temos de nos transformar, de certa forma, na pessoa que amamos. E isso envolve uma espécie de morte do nosso próprio ser, do nosso próprio eu. Não importa o quão duramente tentemos, resistamos a essa morte: lutamos contra raivas, recriminações, exigências, ultimatos. Tentamos encontrar uma desculpa conveniente qualquer para interromper o processo e desistir da árdua tarefa. Porém, nos Verba Seniorum, lemos sobre o abade Amonas, que passou catorze anos orando para superar a raiva, ou melhor, para se libertar dela. Lemos também sobre o abade Serapião, que vendeu seu último livro, uma cópia do Evangelho, e deu o dinheiro recebido aos pobres, ou seja, "vendeu o próprio livro que lhe dizia para vender tudo que tinha e dar o dinheiro aos pobres". Outro abade censurou severamente alguns monges que foram responsáveis pela prisão de um grupo de ladrões e, depois disso, os eremitas, envergonhados, entraram na cadeia à noite e libertaram os prisioneiros. Em outras ocasiões vemos abades negando-se a repreender um ou outro delinqüente, como o abade Moisés, o grande e gentil negro, que entrou na assembléia carregando uma cesta cheia de areia, deixando-a vazar pelas fendas. E disse: "Meus pecados estão vazando sem que eu os veja, e hoje estou aqui para julgar os pecados de uma outra pessoa!"

Se esses protestos eram feitos, é claro que havia algo contra o que se protestar. No final do século V, Cétia e Nítria tornaram-se cidades monásticas rudimentares, com leis e punições. Três chicotes pendiam em uma palmeira no lado de fora da igreja de Cétia: um para punir monges delinqüentes, outro para ladrões e um terceiro para vadios. Porém, havia vários monges, como o abade Moisés, que não apoiavam esse tipo de regra. Tais monges eram os santos, representavam o ideal do deserto "anárquico" primitivo. Talvez o exemplo mais memorável de todos seja o dos dois irmãos que viveram juntos por anos sem brigar, e que decidiram "discutir como todos os outros homens", mas simplesmente não conseguiram.

A oração era a essência da vida no deserto e consistia em salmodia (oração em voz alta - recitação dos salmos ou partes das Escrituras que todos deveriam saber de cor) e contemplação. Aquilo que hoje chamaríamos de oração contemplativa era conhecido como quies ou "descanso". Este termo iluminador persistiu na tradição monástica grega como hesykhia, ou "doce repouso". Quies é um estado de absorção silenciosa auxiliada pela repetição suave de uma única frase das Escrituras - a mais popular delas sendo a oração de publicano: "Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tende piedade de mim, pecador." A forma abreviada desta invocação era "Senhor, tende piedade" (Kyrie eleison) - repetida em silêncio centenas de vezes por dia até se tornar tão espontânea e instintiva como a respiração.

Quando Arsênio é instruído a fugir do cenóbio, ficar em silêncio e descansar (fuge, tace, quiesce), trata-se de um chamado à "oração contemplativa". Quies é um termo mais simples e menos pretensioso, e muito menos desorientador. Adequa-se à simplicidade dos Padres do Deserto muito mais que "contemplação", e predispõe a menos ocasiões para narcisismo e megalomania. Praticamente não existia perigo de quietismo no deserto. Os monges mantinham-se ocupados e, se o quies era a satisfação do que buscavam, o corporalis quies ("descanso do corpo") era um dos grandes inimigos. Traduzi corporalis quies como "vida fácil", para não passar a impressão de que muita ação fosse tolerada no deserto. Não era. O monge deveria permanecer tranqüilo e ficar o máximo possível em um único lugar. Alguns Padres chegavam a desaprovar aqueles que procuravam emprego fora de suas celas, e trabalhavam para os fazendeiros do vale do Nilo durante as temporadas de colheita.

Por fim, nestas páginas, encontramo-nos com diversas personalidades grandiosas e simples. Embora os Verba sejam às vezes atribuídos a apenas um senex (ancião) não identificado, muitas vezes são imputados ao nome do santo que os proferiu. Encontramo-nos com o abade Antão, ninguém menos que Santo Antão, o Grande. Este é o Pai de todos os eremitas, cuja biografia, escrita por São Atanásio, estimulou em Roma inteira vocações monásticas. Antão era realmente o Pai de todos os Padres do Deserto. Porém, o contato com seus pensamentos originais nos faz lembrar que ele não é o Antão de Flaubert, tampouco encontramos aqui o Pafnúcio de Anatole France. Antão, é verdade, atingiu a apátheia após longos e espetaculares embates com demônios. No entanto, ao final, ele conclui que nem mesmo o diabo era o mal pleno, visto que Deus não poderia ter criado o mal, e que todas as Suas obras eram boas. Pode ser uma surpresa saber que Santo Antão, ao contrário de todos, achava que o demônio tinha algo de bom em si. Isso não era mero sentimentalismo. Mostrava apenas que não havia em Santo Antão muito espaço para paranóia. Podemos refletir de maneira produtiva que o homem massificado moderno é aquele que se voltou com toda sua paixão para projeções fanáticas de todo o mal de si sobre "o inimigo" (quem quer que seja). Os solitários do deserto eram muito mais sábios.

Assim, nos Verba, encontramos homens santos como Santo Arsênio, o austero e calado forasteiro que chegou ao deserto da longínqua corte dos imperadores de Constantinopla, e que não deixava ninguém olhar seu rosto. Encontramos o gentil Poimen, o impetuoso João, o anão, que queria se tornar "um anjo". Não menos cativante é o abade Pastor, talvez o que apareça mais vezes. Seus ditos caracterizam-se pela humildade prática, pelo conhecimento da fragilidade humana e pelo sólido bom senso. Pastor, como sabemos, era muito humano e conta-se que quando seu irmão de sangue começou a agir com frieza em relação a ele, e a dar preferência a conversas com outro eremita, sentiu tanto ciúme que teve de ir consultar um dos anciãos para reequilibrar seus pontos de vista.

Os monges insistiam em permanecer humanos e "comuns". Isto pode parecer um paradoxo, mas é muito importante. Se pararmos para pensar um momento, veremos que fugir ao deserto para ser extraordinário é somente carregar o mundo como um padrão implícito de comparação. O resultado não seria outro que a autocontemplação e a autocomparação com o padrão negativo do mundo recém-abandonado. Alguns dos monges do deserto fizeram isso e o que conseguiram foi a perda do equilíbrio mental. Os homens simples que viveram suas vidas até uma idade avançada entre pedras e areia só o fizeram porque haviam ido ao deserto para serem eles mesmos, para viverem seu eu ordinário, e para esquecerem um mundo que os mantinha afastados de si mesmos. Não pode haver outra razão válida para buscar a solidão ou para se afastar do mundo. Portanto, deixar o mundo é, na verdade, ajudar a salvá-lo, salvando-se a si mesmo. Este é o ponto final e fundamental. Os eremitas cópticos que deixaram o mundo, embora estivessem escapando de um naufrágio, não pretendiam apenas salvar suas vidas. Eles sabiam que eram incapazes de fazer algum bem aos outros enquanto se debatessem no naufrágio. Porém, uma vez que conseguissem colocar os pés em terra firme, as coisas seriam diferentes. Nesse momento eles não apenas teriam o poder, mas a obrigação de trazer todo o mundo a salvo atrás deles.

Esta é a lição paradoxal deles para os nossos tempos. Talvez fosse um pouco de exagero dizer que o mundo atual precise de um outro movimento como aquele que atraiu tantos homens para os desertos do Egito e da Palestina. O nosso tempo é sem dúvida de solitários e eremitas. Porém, apenas reproduzir a simplicidade, a austeridade e as orações daquelas almas primitivas não é a resposta mais completa, nem a mais apropriada. Precisamos transcendê-los, e transcender todos aqueles que, desde suas respectivas épocas, foram além dos limites que estabeleceram. Devemos libertar a nós mesmos, da nossa própria maneira, do envolvimento com um mundo que caminha para o desastre, com a diferença de que nosso mundo é diferente do deles. Nosso envolvimento é mais completo. Nosso perigo é muito mais urgente. Nosso tempo, talvez, é mais curto do que pensamos.

Não podemos fazer exatamente o que eles fizeram. Porém, precisamos ser igualmente meticulosos e inexoráveis em nossa determinação de quebrar os elos espirituais e repudiar a dominação de compulsões externas para encontrarmos nosso verdadeiro eu, para descobrirmos e desenvolvermos nossa liberdade espiritual inalienável e usá-la para construir, na terra, o Reino de Deus. Não é este o momento de especular o que está envolvido nessa grandiosa e misteriosa vocação. Isto ainda é desconhecido. Para mim, basta dizer que é preciso aprender com esses homens do século IV como ignorar o preconceito, desafiar a compulsão e penetrar sem medo no desconhecido.







 
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A Sabedoria do deserto - Editora Martins Fontes





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