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Para iniciarmos sobre este assunto que caracteriza a ideia de pastor, mas especificamente aqui, ao nos referirmos sobre a experiência que repousa da atitude espiritual daqueles que tem o múnus de guiar pessoas, pensemos a partir dessa imagem, no paralelo que possa existir com qualquer outro tipo de autoridade constituída, em suas diversas realidades e culturas, em torno de nosso mundo.
A ideia de pastor, é importante ressaltar, nasce da experiência dos povos antigos como nos faz saber o antigo testamento, que, obtendo através dos séculos de cultura no lidar com os rebanhos, não deixou que logo os influenciassem na linguagem em destaque, na relação que se dá entre ovelhas e seus guias, perfeita alegoria entre o cuidado do chefe de tribo com a sua gente.
Ao chefe de tribo, competia o governo de seus bens e a boa maturidade, geralmente um ancião, experimentado nos anos, que lhe garantissem a sabedoria para bem orientar sua gente quando ao mesmo era pedido que intervisse em assuntos de ordem comum.
Os pastores de rebanhos – em sua grande maioria – eram como que empregados contratados para exercer o serviço de zeladores do bem-estar dos animais confiados à sua guarda, sejam estes ovelhas, cabras, bois, etc, isso, quando seus donos eram considerados ricos e possuidores de muitos bens; o contrário, para os de condições menos favoráveis e própria subsistência, eram eles, os próprios donos ou alguém da família que exerciam este papel.
Naquele tempo, os pastores não eram tão bem vistos pelas tribos visinhas, já que os mesmos, com o propósito de se mostrarem diligentes aos olhos do patrão quanto às necessidades do rebanho, muitas vezes invadiam terrenos alheios com a finalidade de oferecer-lhe boas pastagens; eram considerados ladrões, imorais, rudes e tantos outros cognomes usados que se serviam do preconceito que os marginalizavam diante das classes sociais que iam se insurgindo na época.
Todos nós sabemos que a base econômica do povo da antiga aliança se encontrava na agricultura e na pecuária. Tanto mais alguém tivesse terras, uma boa plantação e rebanhos, mais era considerado rico entre as tribos que existiam, eram por assim dizer, avaliados como abençoados por Deus, fato em que sempre era exaltado aquele que estava à frente de todos, ‘o pastor’, ‘o guia’, ‘o chefe’, pois, era sempre por meio deste que tudo o que lhes sobrevinham – em se tratando dos bens materiais e espirituais – era-lhe depositado a responsabilidade de sua boa ou má administração.
O que se pode dizer ainda em resumo, é que, a classe dos pastores, era uma categoria que sentia na pele a rejeição e o abandono em sua dignidade como pessoa, por conta do baixíssimo salário que lhes era tributado, e, diga-se de passagem, estas classes formavam o essencial de sobrevivência dos patrões e de suas famílias, visto que era da pecuária, do zelo consagrado aos rebanhos, que adquiriam a garantia de todo o seu sustento, como: comer, beber e se vestir.
Havia muita revolta... antes de serem pastores, estes mesmos eram guiados por seus senhores que dificultavam, psicologicamente falando, o bom desempenho de seu ofício por um salário justo que condissesse com toda sua vontade de servir; daí podemos entender ‘as sombras’ (Sl 22, 4) que deveras pairavam sobre suas más inclinações fazendo com que o rebanho se perdesse, sem se importar com o futuro do rebanho. Tudo isso por conta da atitude dos primeiros responsáveis do redil, seus próprios donos.
Diante de tal realidade, a resposta era sempre trágica em relação às ovelhas, pobres, indefesas e sem qualquer outra opção a não ser ficar refém dos maus tratos que se lhes apresentavam, tendo, todavia, diante dos olhos, a atitude desmedida e cruel de seu pastor.
“Por isso, assim fala o Senhor, Deus de Israel, acerca dos pastores que apascentam o meu povo: Dispersastes o meu rebanho e o afugentastes, sem dele vos ocupar. Eu, porém, vou ocupar-me à vossa custa da malícia de tal procedimento - oráculo do Senhor.” (Jr 23,2)
A história contida nas Sagradas Escrituras está repleta de relatos que nos apontam ao longo dos séculos a trajetória trágica de maus pastores que foram se inserindo à frente do povo, imagem daquela mesma má relação entre pastor e ovelhas, que, ao invés de proteger e assegurar pastagens tranquilas, abandonavam os interesses de sua gente – como que indefesa – ao se entregar a desejos particulares que contemplavam a sua própria satisfação, materialmente e espiritualmente falando.
É desse contexto que surge a promessa:
“Dar-vos-ei pastores segundo o meu coração, os quais vos apascentarão com inteligência e sabedoria”. (Jr 3,15)
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Em se tratando de pastor e ovelha, há uma dependência muito grande em relação a ultima, ao sublinharmos no pastor a detenção dos meios para que as ovelhas subsistam durante todo o ciclo das estações do ano, sobretudo no verão e no inverno.
É da responsabilidade do pastor conduzir as mesmas para as pastagens seguras e refrescantes, onde pudessem comer, beber e estarem à salvas, pois, havia sempre o perigo dos ataques de ladrões e assaltantes, bem como de lobos famintos no deserto – talvez até pela escassez de alimento – que, constantemente as rodeavam, procurando o bom momento, o descuido dos que as vigiavam, com o fim de devorá-las.
Diante de alguns bons exemplos, a promessa se manteve até a sua realização definitiva, que, em David, prefigurou-se a linhagem d’Aquele que haveria de vir e apascentar o rebanho segundo o coração de Deus, consumado com a vinda do filho do homem, Jesus Cristo nosso Salvador.
É Ele mesmo quem diz de Si mesmo:
“Eu sou o bom pastor...” (Jo 10,11).
O Bom Pastor seguramente realiza o seu trabalho como deve ser feito; não tem descanso, vigia sem cessar, é providente, compassivo para com as ovelhas debilitadas, procura reunir, vai atrás da que se perde e é capaz de dar a vida para defendê-las do mal. É essa a imagem do Bom Pastor, e que sem dúvida alguma contemplamos em Jesus como o cumpridor das promessas do Pai até as ultimas consequências, para poder dar a todos a vida, e vida em plenitude.
“Eu vim para que as ovelhas tenham vida e para que a tenham em abundância” (Jo 10,10).
Em Jesus encontramos o modelo perfeito de Pastor, visto que o Seu exemplo é a manifestação evidente da ternura do Pai em relação ao Seu povo, renovado pela aliança, e concretizada, consumada, em Seu sangue, excelentíssimo Pastor de nossas almas.
O zelo inigualável com que dispensou em Sua vida terrena – em relação aos aflitos e angustiados, aos excluídos da sociedade de Seu tempo até o fim de Sua vida – é a prova a mais palpável de Seu amor incondicional que procura antes de tudo salvar do que condenar, nos indicando o caminho que nos leva as verdejantes pastagens, ou seja, a realização plena como pessoa amada e querida.
O ‘Pallium’ imposto pelo papa aos metropolitas é sempre uma tentativa de fazer lembrar a atitude do ‘Bom Pastor’ que conduz nos ombros a ovelha débil, mas que está caracterizada também na consciência de suas próprias fraquezas sustentadas pelo ‘cajado’ que reúne e defende as ovelhas do perigo, com o olhar que se volta para Cristo verdadeiro Pastor de nossas vidas.
Para os que são chamados a exercer no meio de seu povo o pastoreio das almas, sem dúvida alguma se faz necessário estar conscientes de suas próprias debilidades, tal como Jesus em Sua condição humana, quando fora conduzido ao deserto, num confronto que se deu consigo mesmo no episódio da tentação. Nisto consiste a condição humilde do pastor que tem como modelo o próprio Cristo. Se diante dos olhos contemplamos a ovelha débil e desfigurada, devemos também estar conscientes de nossas ‘sombras’ que deveras se nos apresentam como forma de sugestionamento, ou seja, em querer fazer prevalecer o nosso lado negro.
É sabido que na dura caminhada de pastor o cajado (ou báculo) é seu único apoio em meio a fatigante jornada que deverá enfrentar; o mesmo não é senão o próprio Jesus que, reúne, anima e restaura nossas forças, até o festim que nos é preparado.
By Maurus
Caríssimo Mauro Almeida, acabo de ler a reflexão que você postou em meu mural: "A condição humilde do bom Pastor". Excelente trabalho com um ótimo Português, clássico é claro. Isso me fascinou. Durante toda a leitura pensava em Sto Agostinho e nos grandes padres da Igreja. Abraço querido irmão. O incentivo a continuar desenvolvendo esse magnifico trabalho. Poderá divulgá-lo sempre em meu mural. Pe. Basílio J. Ilton Alves, O. Cist.
ResponderExcluirmuito bom! Parabéns!
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