Voltemos nosso pensamento ao tempo do exílio, onde o povo eleito da antiga aliança, a casa de Israel, ficou cativo em poder dos babilônicos por longos e longos anos. Imaginemos aqui o cenário de humilhações a que fora submetido em um país estrangeiro e pagão. Este povo, de fé sólida, apesar dos fracassos, saudoso de sua pátria, do templo, deslocado de sua terra, via-se atado no convívio com uma gente contrária a seus hábitos e costumes, sobretudo os religiosos, que era de onde buscava forças para continuar fiel ao seu chamado, e como forma de manter viva sua tradição, sem perder a identidade, diante do peso que o oprimia, sendo obrigado a realizar trabalhos penosos como escravo, numa terra de tormentos. Deus o humilhara. O clamor era visível em seus rostos cansados e envergados sob o peso das humilhações que duraram um pouco mais de quatro séculos, esmagados sob o poder que os aniquilava em suas convicções. Na certeza do merecimento de tantos males por causa de seus pecados e aceitos como penitência, não cessavam de implorar a Deus o socorro necessário à sua causa. A esperança era o seu alimento, ainda que Deus tardasse em socorrê-los. Estando como mortos, curvados sob a dor, Deus os conduzira aí para tocar-lhes o coração.
É neste cenário triste, permeado de sofrimentos, que surge a promessa de restauração desse povo, sinal antecipado do que entendemos hoje por ressurreição, aquela mesma trazida por Cristo. A profecia da restauração da casa de Israel se deu a partir de uma visão, a mesma que Ezequiel mencionou ter visto, um amontoado de ossos secos,[1] significando a vida sem alento desse povo que em terras estrangeiras[2] peregrinou entre a incerteza e a espera desse dia. Os séculos se passaram, muitos dos que desejavam ver o dia da restauração de sua gente já nem se encontravam vivos, passaram-se gerações.
Um dos temas que trata a visão é o do preenchimento dos ossos ressequidos com carne rejuvenescida. Acredita-se que pela ressurreição, as doenças, rugas, ou qualquer outro mal físico será extinto de cada pessoa, conformando-a, de uma vez por todas, a Cristo, como primícia dentre muitos que morreram,[3] em seu estado perfeito, como nova criatura; daí se entende algumas imagens do ressuscitado serem representadas com um aspecto mais jovem, para ressaltar esse mistério.
O evangelista João nos narra o episódio da aparição de Jesus aos apóstolos após sua morte,[4] oito dias depois. Note-se, o mesmo aparece trazendo consigo as marcas da paixão. – Por que Jesus insistiu em aparecer depois de ressuscitado com as chagas, visto que não lhe era mais necessário com um corpo glorioso?
Para compreender esse mistério vejamos o que nos diz o livro do apocalipse:
“Eu vi também, na mão direita do que estava assentado no trono, um livro escrito por dentro e por fora, selado com sete selos.
Vi então um anjo vigoroso, que clamava em alta voz: Quem é digno de abrir o livro e desatar os seus selos?
Mas ninguém, nem no céu, nem na terra, nem debaixo da terra, podia abrir o livro ou examiná-lo.
Eu chorava muito, porque ninguém fora achado digno de abrir o livro e examiná-lo.
Então um dos Anciãos me falou: Não chores! O Leão da tribo de Judá, o descendente de Davi achou meio de abrir o livro e os sete selos.
Eu vi no meio do trono, dos quatro Animais e no meio dos Anciãos um Cordeiro de pé, como que imolado. Tinha ele sete chifres e sete olhos (que são os sete Espíritos de Deus, enviados por toda a terra).
Veio e recebeu o livro da mão direita do que se assentava no trono.
Quando recebeu o livro, os quatro Animais e os vinte e quatro Anciãos prostraram-se diante do Cordeiro, tendo cada um uma cítara e taças de ouro cheias de perfume (que são as orações dos santos).
Cantavam um cântico novo, dizendo: Tu és digno de receber o livro e de abrir-lhe os selos, porque foste imolado e resgataste para Deus, ao preço de teu sangue, homens de toda tribo, língua, povo e raça. ”[5]
O livro escrito por dentro e por fora contém os desígnios de salvação da humanidade neste mundo; o mesmo se encontra selado e ninguém fora achado digno de abri-lo, exceto o Cordeiro, figura de Cristo. Não ter acesso aos desígnios de Deus nesta vida, seria privar todos os homens do caminho que aí é indicado para a salvação, dando a entender condenação certa. Sublinhemos aqui a conduta e o estado do cordeiro, Ele está de pé e imolado; lembra-nos que o cordeiro aqui referido aponta para Aquele que está ressuscitado (de pé) e que fora sacrificado (imolado). O próprio Jesus em sua condição gloriosa, não quis se apartar da realidade dos homens a qual abraçou e se entregou, a fim de santificá-la; leva-nos consigo em Seu corpo glorioso pela ressurreição, já que fora também tocado pela miséria e fraqueza humana, no tocante ao Seu corpo, ao ascender aos céus. Seu estado de glória e humildade ao mesmo tempo sensibiliza o olhar do Pai, que ao contemplá-Lo enxerga os homens em sua fragilidade e pequenez com misericórdia a partir de então, concedendo – Lhe desatar os selos e abrir o livro.
É desta maneira que Deus em Seu filho salva o Seu povo, reúne em torno de Si a comunidade divina a qual pertence Aquele que fora imolado, mas que vive, e com Ele, todo Seu corpo místico, homens de todas as tribos, línguas e nações, numa ligação estreita e profunda com o povo da nova e eterna aliança no Seu sangue redentor. O próprio Jesus, o Cordeiro a que se refere o texto apocalíptico exalta em Sua carne nossa miséria, restitui-nos a dignidade de filhos antes perdida, pela adoção no Seu sangue (batismo), mas pede pelo Seu exemplo que sigamos Seus passos no estreito caminho que nos leva a compaixão e entrega uns pelos outros. O caminho se torna estreito pelo fato de o amor ser uma exigência que nos leva ao esvaziamento de nossas pretensões, de nossos julgamentos, tal como viemos tratando até aqui, nos levando a compreender melhor a trajetória dos padres do deserto que absortos na contemplação desse mistério, desbravaram o caminho da solidão e das lutas contínuas.
#Do livro: "Fraquezas, um caminho para Deus"
By Maurus
Muito lindo esta sua página.
ResponderExcluirQue Deus te ilumine, sempre.
Ir. Faustina