Era janeiro de 1994, meu primeiro
contato com o Mosteiro de Jequitibá, depois de horas e horas de viagem com alguns
minutos de parada em Ipirá, no intuito de rever um antigo amigo de seminário do
Pe. Raymundo Peretti Guimarães e sob sua companhia que chegamos ao nosso lugar
de destino.
Uma só coisa desejava...
compreender a vontade de Deus a meu respeito naquele delicado e específico momento
de minha vida, tornar claro o apelo interior que de dia e de noite me
intercalava sobre o devir, e, assim, como em épocas remotas de nossa era cristã
– ainda que sob contexto diferente – atravessei uma parte do sertão, pequena
parcela do nordeste, e fui estar no Morro da Graça, onde se situa hoje o
Mosteiro dedicado a Mãe de Deus com o título de Divina Pastora.
Tudo era tão encantador e novo
para mim. Após sermos acolhidos e levados para o lugar (cela) conjunto de nossa
permanência fomos apresentados em seguida ao Superior naquele momento, o abade
Antônio Moser de saudosa memória, que nos deu as boas vindas.
O silêncio era a morada do
lugar... só se ouviam os cantos dos pássaros e as rajadas de vento que faziam
tremular as palmeiras, não se via até ali ninguém, estava curioso em conhecer
os monges, mas não se via nenhum até então com exceção de alguns vaqueiros que
eram funcionários do mosteiro, que cooperavam com os mesmos na fazenda onde os
monges eram os administradores.
Chegamos pouco antes do final
da tarde, seguramente os trabalhos naquele dia quente já haviam findados e cada
um se preparava para os ofícios subsequentes. Entre as pequenas descobertas do
lugar e encantamento se ouve naquele instante o ecoar dos sinos e portas que se
abriam e fechavam sob passos firmes que se ouvia até despontar um, dois, três,
quatro, cinco e mais monges que se dirigiam à capela para a oração vespertina.
Todos silenciosos, recolhidos que saudavam de forma singular a mim e ao padre
visitantes com uma suave inclinação da cabeça como se dissesse: bom dia, boa
tarde ou até mesmo bem vindos!
Tudo era encantamento para mim.
Seguindo à capela os via todos posicionados, alguns mais novos levantando e
abrindo uns livros imensos para a oração daquele instante, e, voltados ao
tabernáculo quando ao sinal do relógio, 17h45min ouvi a entoação: + Deus in adjuntórium meum inténde...
Apesar de não entender bem o
que significava a melodia era espetacular. Passei a me debruçar sobre o significado
daquelas primeiras palavras cantadas em latim Deus in adjutórium meum
inténde... Tudo era perfeito.
Embora já tivesse conhecimento
da vida monástica em visita muitas vezes ao Mosteiro Nossa Senhora da Vitória
em São Cristóvão/SE, de monjas beneditinas, era a minha primeira experiência
com monges e cantando em latim, foi fantástico. Após a introdução tudo seguiu
naquele momento sob muita atenção de minha parte que embora não compreendesse
nada a melodia me fazia rezar muito mais.
Ao término fui apresentado pelo
irmão hospedeiro, não me recordo mais o seu nome, ao mestre de noviços, na época
Pe. Meinrad Schröger que, me dando também as boas vindas, marcou a primeira conversa
para o dia seguinte.
Um misto de simplicidade e
ternura marcou aquele contato, rápido, mas que ficaria gravado para sempre em
minhas lembranças, no meu coração.
Ao mesmo tempo em que se
mostrava severo, no que concerniam as exigências da comunidade local naquele período
se mostrou também ‘sempre aberto para a escuta’ da qual, como um filho de São
Bento, lhe é peculiar. Esta conversa me fez pensar... naquela ocasião não havia
concluído ainda o segundo grau. Já decidido, deveria retornar para a minha
cidade natal e assim poder continuar e concluir os estudos voltando
definitivamente para o Mosteiro.
Até aqui, fiz questão de escrever
esta breve memória de minha caminhada e discernimento não sem importância para
o que pretendo narrar em seguida, mas como complementação da mesma.
Foi no ano de 1995 que entrei
em Jequitibá, o mosteiro estava passando por transição uma vez que o abade
anterior Antônio Moser – que esteve a frente do Mosteiro por 50 anos – estava
deixando o cargo para um novo eleito. A comunidade em capítulo havia deliberado
por Pe. Meinrad que assumindo o abaciado no ano seguinte adotou o lema: “MISERICORDIA
ET COPIAE” (Misericórdia e partilha) que regeria sua trajetória de pastor
daquele pequeno rebanho por oito anos.
Os caminhos são diversos. Entre
acertos e erros nos é permitido trilhar livremente até nos descobrirmos a nós
mesmos, e, a partir daí, na originalidade que deve ser cada pessoa – segundo o
Espírito – fazer a vontade de Deus.
Não tenho dúvida alguma que a
paternidade espiritual do Dom abade Meinrad soube ser precisa, sobretudo no que
diz respeito aos conflitos particulares e comuns vividos mim e consequentemente
por cada pessoa. Suas palavras e exortações na Regra, na Santa Eucaristia, nos
diálogos comunitários bem como particular, foram direção acertada de uma
paternidade que não se compreende a partir de laços conaturais, mas
sobrenatural, que vem do alto e faz-se ato no coração aberto e dócil.
Eu vi, o que de fato escrevera
como lema de vida, ser praticado no seio da comunidade quer interna como
externa. A meu ver, não poderia ser diferente para alguém que sabe de fato dar
ouvidos a história particular de cada um como soube Dom abade Meinrad. Ao dar
ouvidos, jamais deixou de levar em consideração os fatos peculiares de cada
história em suas decisões. Interessante observar que, só se transmite
exteriormente – em se tratando da comunidade local vizinha – aquilo que se faz
em sua comunidade particular (religiosa); não dá para ser um num lugar e ser
diferente num outro, assim foi a vida abnegada, doada, sacrificada pela ‘sua
gente’ no Brasil, ao transmitir vida para uma comunidade interira através do
saber com a criação da escola rural na Estação Jequitibá.
Como testemunha que fui, ele
soube dar a cada um segundo a necessidade, soube repartir os bens e transmitiu
muito amor. Tanto adora o Coração de Cristo, tanto pensa em Seu amor, no
silêncio, nas meditações e no recolhimento de sua cela que se tornou semelhante a
Ele.
Por ocasião do término
do Ano da Misericórdia
Solenidade de Cristo Rei
do Universo, 2016.
Muito interessante e edificante este relato. O reconhecimento grato das pessoas que nos marcaram na vida é coisa rara hoje em dia.
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