***
É do conhecimento de todos que o mandamento se resume numa só palavra, e, universalmente falando, podemos dizer que a mesma é entendida em todas as experiências do homem, como por meio das mais variadas culturas existentes sobre o orbe, mencionadas em todas as línguas, e, que, encontra sua razão de ser no verbo “AMAR” (Dt 6, 5; Lv 19, 18; Mt 22, 37).
Sem dúvida alguma, quis a sabedoria divina através deste movimento, embora velada em seu mistério trinitário, resumir apontando nesta única palavra, a verdadeira raiz explicativa para o mal, conhecido de todos os tempos, e que, inconscientemente, passa despercebido pelo olhar conturbado de uma grande maioria. Numa primeira análise, todo o mandamento tem como ponto de partida, ou se quiser, como objeto primeiro o coração particular de quem o recebe, sendo que este mesmo está sempre em vista do convívio comunitário.
A verdadeira raiz citada acima é, sobretudo, o fato de imperar, no caminho que vamos traçando em nosso dia-a-dia, a má aceitação a tudo que nossas ações possam nos definir, em outras palavras, a tudo que de certa forma nos designa em nosso estado débil, com relação às dissensões entre nossa alma e nosso espírito.
Se o mandamento está no amor, encontramos aí o antídoto para todo o mal atrelado às ações deveras insubordinadas à nossa condição, e que sem equívoco algum passa pelo olhar de cada pessoa em sua particularidade, ao se confrontar com sua própria verdade, quer conscientes ou não. Pelo olhar criamos a possibilidade de bem ou de mal em vista do que vamos alimentando no coração, como: alegria ou tristeza, perdão ou ódio, bondade ou maldade, etc. No decorrer dos anos vividos a pessoa aprende desde seu nascimento a criar mecanismos de defesa que nem se tem consciência do porquê de suas manifestações presentes, mas elas estão aí, guardadas em algum lugar de nosso inconsciente, para reforçar a urgência de um olhar que permita entender o mais profundo de nossa verdade como forma de ascender à verdadeira liberdade.
Seguindo uma linha de pensamento proposta por Jesus a seus discípulos, nos deparamos com o Seu dizer: “Conhecereis a verdade e ela vos libertará” (Jo 8, 32). Notemos que o mesmo transmite esta sentença, instantes depois em que lhe fora apresentado uma mulher, a qual fora surpreendida e acusada como adúltera; o relato como se dá este feito, que se tornara público, todos conhecem bem. Este discurso é antecedido por outras sentenças como: “Eu sou a luz do mundo...” (Jo 8, 12a) e ainda: “Vós julgais segundo as aparências; eu não julgo ninguém” (Jo 8, 15).
Evidentemente que para se alcançar a luz da verdade e do entendimento que jamais engana é preciso estar aberto à orientação que o Espírito vai engendrando em nosso interior ao longo do caminho; para os Pais do deserto não fora diferente. Como discípulos atentos a toda movimentação da ação divina dentro de si, foi-se concebendo o que O mesmo lhes inspirava, ou seja, uma total abertura e despojamento da fantasia que antes se fazia de si mesmo, ao acolher sua verdade nua e crua.
Uma das graças que se adquire com a intimidade do Espírito é que O mesmo conduz todo homem a situações de confronto, tal como aconteceu com Jesus quando fora conduzido para o deserto para aí ser tentado pelo demônio (Ver: Mt 4, 1).
Sem a luz que vem do alto corre-se o perigo de se perder para sempre diante da realidade obscura a que fomos acometidos pelo histórico de vida que nos acompanha e nos revela quem somos de fato, ainda que inconscientemente, no decorrer de nossa peregrinação neste mundo ao nos depararmos com o que existe de mais sombrio em nossas ações e desejos os mais secretos. O amor é um bem a ser salvaguardado de nosso próprio eu egoísta, que julga sem medida, acusa, impõe, distorce, manipula, subjuga e destrói, vetando a possibilidade de se enxergar de fato toda a verdade como ela é, talvez pelo medo ou vergonha de se descobrir inferior, ou ainda, o mais vil de todos.
Não se pode dá o passo para a verdadeira liberdade se não acolhemos com “AMOR” aquilo que a luz nos faz estar conscientes no momento. É daí mesmo que se constata que, o primeiro receptor do mandamento de “AMAR” é cada pessoa em sua particularidade específica, visto que não poderemos amar o nosso próximo senão somos capazes de fazê-lo por nós mesmos. Não significa aqui enfatizar pelo orgulho exaltado de um mal que não seja reconhecido, ao contrário, ao se inteirar do mal que o envolve esta pessoa se torna capaz, com a ajuda da graça, de aceitá-lo como seu e se reconciliar com ele.
Dessa experiência de amar a si mesmo se mistura àquela experiência de Deus já que não existe encontro no amor que não subsista ou venha d’Ele próprio.
O meio pelo qual podemos enfraquecer as forças do inimigo, e este pode vir a ser qualquer uma das sombras que de alguma forma tenham influência em nossas ações, em nossa realidade concreta – que não queremos sequer ter contato – é o caminho contrário, ou seja, o do confronto, e a partir daí o da reconciliação com o que existe de mais indesejado. Desta realidade podemos comparar com as exortações dadas por Jesus no sermão da montanha quando ao povo que o instruía lhes disse: “Entra em acordo sem demora com o teu adversário, enquanto estás em caminho com ele, para que não suceda que te entregue ao juiz, e o juiz te entregue ao seu ministro e sejas posto na prisão” (Mt 5, 25).
A cura do amor em nós é algo urgente, já que o seu enfraquecimento é deveras confundido ou sequer percebido em seu definhar, misturado aos enganosos conceitos de verdadeira vida de santidade e busca de Deus. Podemos apontar razões que nos indiquem o mal entendido entre amar de verdade, a começar fazendo atenção para os nossos julgamentos no dia. Tudo o que apontamos no outro é algo mal resolvido em si mesmo, que por não estar reconciliado, enxergamos no que está a nossa volta aquilo que nos é devido, em outras palavras, aquilo que deixei de amar e perdoar em mim mesmo, por isso ela se insurge no julgar o nosso próximo.
Sendo assim, é nos dirigida a exortação de Jesus:
“Não julgueis, e não sereis julgados. Porque do mesmo modo que julgardes, sereis também vós julgados e, com a medida com que tiverdes medido, também vós sereis medidos” (Mt 7, 1-2).
E noutro lugar, O mesmo nos interroga: “Por que olhas a palha que está no olho do teu irmão e não vês a trave que está no teu? Como ousas dizer a teu irmão: Deixa-me tirar a palha do teu olho, quando tens uma trave no teu?” (Mt 7, 3-4).
Para se perceber isso é preciso muita atenção e vida sob a guia do Espírito que nos esclarece todas as coisas. Alcançar a verdadeira liberdade requer atitude e coragem de se reconciliar com o nosso próprio eu, os nossos próprios fantasmas, que por certo nos aborrecem.
Exercício espiritual
Na vida espiritual de cada pessoa que busca verdadeiramente a Deus – e esta segundo os pais do deserto, não se concretiza em sua forma a mais pura se não acontece no confronto consigo mesmo – é necessário que se estabeleça métodos regulares que nos ajudem no desenrolar de uma ‘união perfeita’ que reclame a consciência de nossos atos, deveras influenciados segundo nossa má inclinação.
# Este é o ensinamento deixado como herança pelos nossos antigos pais na fé.
__________________________________________