A oração como parte integrante no mistério do Corpo Místico de Cristo
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Foi da tradição judaica que a Igreja – ou cristianismo – conservou o costume de rezar tendo como modelo os salmos.
Jesus como um bom judeu também os repetiu em seus lábios quando recolhido para rezar, nas peregrinações, no templo, nas sinagogas até no momento crucial de sua passagem desse mundo no alto da Cruz.
Em suma, toda a oração dos Salmos é um resumo do mistério de Cristo que se une a Sua Igreja, pré-anunciada desde antes pelos profetas numa perfeita relação com o povo da promessa antiga, até de se ver concretizada em Jesus em vista de Seu novo povo, nascido de Seu lado aberto pela lança.
Assim repetimos com o salmista:
“Tende piedade de mim, Senhor, porque desfaleço; sarai-me, pois sinto abalados os meus ossos. Minha alma está muito perturbada; vós, porém, Senhor, até quando?... Voltai, Senhor, livrai minha alma; salvai-me, pela vossa bondade” (Sl 6,3-5).
Para os que têm o hábito de rezar o saltério, seja em comunidade ou em particular, vemos aqui um salmo típico que se compreende pela súplica daquele que busca o socorro em uma grave doença.
É importante ressaltar aqui que, o mistério do Corpo Místico de Cristo une a comunidade dos batizados em um só corpo, onde Cristo é a cabeça. Os padecimentos de um só membro do corpo torna enfermo todo o restante, uma vez que estamos unidos por meio de Cristo. Sendo assim, por mais que as palavras do salmista acima citadas não me caibam naquele determinado momento, temos a certeza de que alguém – ‘no Corpo Místico’ – está passando pela mesma experiência, e dessa forma podemos emprestar nossa voz nos colocando no lugar de tal pessoa; Deus o sabe bem melhor que nós.
Se por um lado se denota nos versículos do salmo apresentado acima a presença contida de um mal físico real, por outro ela pode ser também entendida como um mal no espírito, ou externo em outros casos, quando se refere à perseguição, como é o caso das menções de vinganças em que Deus vem em auxílio daqueles que n’Ele se confiam fazendo-lhes justiça e que são conhecidos como ‘precatórios’.
Os Salmos precatórios são aqueles que no decorrer de sua leitura percebe-se que é denotada de vingança e maldição contra os inimigos.
Vejamos abaixo alguns dos exemplos de salmos precatórios:
“Lutai, Senhor, contra os que me atacam; combatei meus adversários. Empunhai o broquel e o escudo, e erguei-vos em meu socorro. Brandi a lança e sustai meus perseguidores. Dizei à minha alma: Eu sou a tua salvação” (Sl 34, 1-3ss).
“Puseram fel no meu alimento, na minha sede deram-me vinagre para beber. Torne-se a sua mesa um laço para eles, e uma armadilha para os seus amigos. Que seus olhos se escureçam para não mais ver, que seus passos sejam sempre vacilantes. Despejai sobre eles a vossa cólera, e os atinja o fogo de vossa ira. Seja devastada a sua morada, não haja quem habite em suas tendas, porque perseguiram aquele a quem atingistes, e aumentaram a dor daquele a quem feristes” (Sl 68, 22-27s).
“Suscitai contra ele um ímpio, levante-se à sua direita um acusador. Quando o julgarem, saia condenado, e sem efeito o seu recurso. Sejam abreviados os seus dias, tome outro o seu encargo. Fiquem órfãos os seus filhos, e viúva a sua esposa” (Sl 108, 6-9ss).
Numa visão para além de tudo que seja externo e que está no âmbito da realidade cristã, devemos rezar esses salmos com uma disposição de aceitação do inimigo que existe no interior de cada um de nós – e que Deus quer e vem combater – ao nos pôr conscientes desse mal real e tão presente na experiência particular de cada pessoa. São os nossos fantasmas, ligados ao nosso inconsciente psíquico ou não e que tem o poder de nos levar a ruína quando não identificado.
É o primeiro passo, o de identificar o mal que existe lá dentro em nosso interior, escondido, camuflado, sob roupagens que ao longo dos anos nos fizeram acreditar o contrário do que somos de fato, em nossa verdade a mais pura; o segundo está no âmbito da aceitação, onde, pela reconciliação com o mesmo, comparada àquela de Cristo, combatemos juntos com Ele por meio de uma verdadeira humildade através da qual somos postos diretamente em comunhão com a experiência de todos os homens.
A vida de todo homem é cheia de altos e baixos, e não podia ser diferente para os seguidores de Cristo que buscam viver esses momentos, a cada instante da vida, apoiados na fé; já que formam um só corpo n’Ele, as alegrias e as dores fazem parte do conjunto dos membros onde se encerra a vida de comunhão Consigo e que nos une num só edifício espiritual, a qual chamamos de Igreja.
Recitar os Salmos e traduzi-los na vida, implica, sobretudo, no esforço de querer enxergar à luz da fé, da esperança e da caridade em torno de seus membros, da qual nos colocamos conscientemente, como sendo parte da tão sonhada comunidade daqueles e daquelas que se amam e estão ligados por uma perfeita comunhão.
Se a extensão do ‘Corpo Místico’ de Cristo – reconhecido como um mistério – nos é ilimitada em sua vasta compreensão, pelo fato desta realidade exceder à grande comunidade, quer física ou espiritual de seus membros, a cujo plano sobrenatural se nos apresenta, desta mesma não podemos aderir a este mistério a não ser exclusivamente pela fé. Reconhecer na voz do salmista a voz de tantos outros que por certo estejam a experimentar aquilo que acabamos de recitar, é sem dúvida alguma voltar o pensamento e o coração para um mesmo sentimento que nos põe em unidade com os milhares de membros espalhados pelo orbe. Desta mesma realidade participam os que já concluíram sua caminhada terrena, tanto os que ainda padecem, assim como os santos na glória.
É importante lembrar que os salmos fizeram parte em toda a trajetória terrena de Jesus, como uma marca que O identificava como judeu, quer nas recitações obrigatórias durante sua jornada, assim como na perpetuação dos costumes que O unia aos anseios e esperanças de sua gente, ao aguardar a salvação de Israel.
A novidade a que os salmos nos reportam hoje é sem dúvida, que, nas orações recitadas do saltério compreendemos que é no próprio Cristo que se cumpre toda a esperança daquele povo antigo, uma vez que é Ele mesmo O enviado por Deus para socorrer a sua casa das mãos dos inimigos (sobretudo os internos).
Jesus viveu plenamente em comunhão com os seus ao dirigir a Seu Pai o mesmo clamor de seu povo, bem como os louvores de Seus grandes feitos que a todo instante o encorajavam nas batalhas diárias.
Se Cristo é a cabeça que congrega todo o conjunto dos membros, seguramente não nos dirigimos a Ele em nossas orações da salmodia, é com Ele que recitamos as mesmas preces, quer de agradecimento, súplica ou lamento, já que somos partes integrantes de Seu Corpo, pelo qual em nossa carne completamos o que Lhe faltou em Sua entrega definitiva.
Enquanto isso, a Igreja como reunião de todos os chamados vai caminhando na ação de graças ao Pai por meio de Seu Filho Jesus Cristo a quem pelo Espírito Santo somos ligados à realidade divina mesmo estando ainda na terra.
“Meu pé está firme no caminho reto; nas assembleias, bendirei ao Senhor” (Sl 25, 12).
Assim seja!!!
By Maurus
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Muito interessante a pratica contemplativa do silencio e da oracao!
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