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A doutrina dos oito vícios é um
capítulo interessante da psicologia monástica. Foi desenvolvida, sobretudo, por
Evágrio Pôntico e Cassiano, mas aparece também em Clímaco, em Máximo Confessor
e em outros. Nela se distinguem estes oito vícios: gula, luxúria, cobiça,
tristeza, ira, acídia (preguiça), vaidade e orgulho.
A cada um destes oito vícios
Evágrio atribui um demônio, que determina suas características. Nem todos
provocam os mesmos pensamentos. Um provoca pensamentos de cobiça, outro
pensamentos de orgulho. Nisto os demônios se distinguem também de acordo com sua
espécie. Alguns são leves e atacam de repente - por exemplo, o demônio da
luxúria. O demônio da acídia, pelo contrário, é pesado e pouco a pouco oprime a
alma com sua força cada vez maior.
A estrutura dos oito vícios se
dá de acordo com a tríplice divisão da alma segundo Platão. Os três primeiros
vícios são atribuídos à parte dos desejos (epithymia), os três seguintes a
parte excitável ou emocional (thymos), e os dois últimos a parte espiritual
(nous).
Os três primeiros vícios -
GULA, LUXÚRIA e COBIÇA - são instintos básicos fundamentais. Poderíamos atribuí-los
a fase oral, anal e fálica no desenvolvimento da primeira infância. Estes
instintos fazem parte da natureza humana, e não nos é possível simplesmente
eliminá-los. Eles têm que ser integrados, é preciso que lhes seja imposta a
reta medida.
Os três vícios seguintes -
TRISTEZA, IRA e ACÍDIA - são estados negativos de ânimo, muito mais difíceis de
ser superados. Estes estados não se deixam dominar como os instintos. O reto
convívio com eles exige um equilíbrio da alma e uma maturidade interior, a que
só podemos chegar quando nos ocupamos honestamente com os pensamentos e os
estados de ânimo, e quando “nos abrimos” sem reservas para Deus.
Mais difícil ainda é combater
os dois últimos vícios - VAIDADE e ORGULHO -, porque o espírito é o mais
difícil de ser domado. Aqui é onde com mais facilidade os demônios podem
enganar alguém.
A respeito dos oito vícios
Evágrio fala de diferentes maneiras. Ele pode falar de impulsos e estados de
ânimo, ou de pensamentos de cobiça ou de ira, ou então falar do demônio da
cobiça, do demônio da ira. Ele, por conseguinte, personifica o vício. É como se
fosse um interlocutor autônomo, um demônio que tenta alguém e que procura
impeli-lo para um instinto, para uma emoção ou para uma cegueira espiritual. E
cada um dos oito demônios possui sua técnica própria. O fato de identificar os
demônios com os oito vícios mostra mais uma vez que na demonologia de Evágrio
não se trata tanto de fenômenos extraordinários, como possessão, mas sim do
elemento tenebroso e mau que cada pessoa experimenta em si, da luta contra as
falsas atitudes interiores que procuram se estabelecer em nós, desta maneira
criando obstáculos a nossa abertura para Deus. Evágrio descreve um por um os
oito demônios que se encontram por trás dos diversos vícios.
I.
O DEMÔNIO DA GULA
O demônio da gula rapidamente
sugere ao monge o fracasso de sua ascese. Coloca-lhe diante dos olhos o
estômago, o fígado, o baço, a hidropisia, uma doença prolongada, a falta do
necessário, a falta de um médico. Muitas vezes leva-o a pensar também em
determinados irmãos que foram vítimas dessas doenças. Às vezes ainda impele
esses doentes a dirigirem-se aos ascetas e falarem-lhes de seu destino,
pretextando que vieram a se tornar assim por causa da ascese (P7).
O demônio da gula, aqui, nunca
instiga para comer em excesso. Ele apenas apresenta motivos que aparentam ser
válidos e razoáveis contra o jejum. O demônio é por demais engenhoso para
impelir alguém a um vício tão primitivo quanto o da gula. Seu método é a
racionalização. Motivos razoáveis escondem as necessidades e desejos que se
encontram por trás de tudo isto. Assim o demônio esconde-se atrás da razão para
não precisar apresentar-se abertamente ao monge como pernicioso e mau. Ao que
tudo indica, Evágrio percebeu este mecanismo da racionalização.
II.
O DEMÔNIO DA LUXÚRIA
O demônio da luxúria força a
desejar outros corpos. Ele ataca cruelmente os que praticam a continência, para
que a abandonem, já que não leva a nada. Enlameia a alma e a seduz a ações
vergonhosas. Fá-la pronunciar certas palavras e tornar a ouvi-las, como se o
objeto estivesse visível e presente (P8).
O demônio da luxúria trabalha,
sobretudo, através da fantasia, onde ele enche de imagens, de pensamentos, e
desta maneira segue obscurecendo a razão. Ataca o monge de repente, quando ele
menos espera, e imediatamente desperta nele uma paixão violenta (cf. P51). Este
demônio costuma visitar os monges, sobretudo, à noite. Às vezes Evágrio diz que
o demônio da luxúria entra diretamente no corpo e o incendeia (cf. Anti II,
45).
III.
O DEMÔNIO DA COBIÇA
A cobiça lembra idade avançada,
incapacidade das mãos para trabalhar, a vinda dos tempos de necessidade e de
doença, o amargor da pobreza e a vergonha que significa ter que esperar dos
outros o necessário (P9).
Também aqui o demônio não
aborda diretamente o desejo, e sim apresenta toda sorte de razões que falam
contra a pobreza e a generosidade. Não é o instinto que é estimulado, mas sim
as razões para refreá-lo que são negadas, pintando-se os perigos que daí podem
resultar.
Os pensamentos insuflados pelo demônio da cobiça produzem medo e
timidez, privam a pessoa do impulso interior para refrear o instinto e
dirigi-lo para caminhos ordenados. Uma vez que não enxerga nenhuma motivação
para se esforçar e para impor limitações, a pessoa - sem perceber - volta-se
para o vício da cobiça. Deixa-se dominar pelo demônio da cobiça, porque na
própria mente são vistos como maus todos os motivos para lutar contra o
instinto. Aquele que já conviveu com viciados em drogas e com os argumentos que
eles apresentam, sente-se confirmado pelas observações de Evágrio. Também aqui
o que é questionado, com motivos aparentemente razoáveis, são todos os motivos
para nos impormos restrições. Mas na realidade o que está por trás de todos
estes motivos é a infantil necessidade de possuir sempre mais. Por não haver
aprendido, quando criança, a renunciar e a adaptar-se à realidade, a pessoa é
agora dominada pelo instinto, ou, como diz Evágrio, posta em xeque pelo demônio
da cobiça. Segundo Freud, para nos adaptarmos à realidade não se pode dispensar
uma certa renúncia ao instinto.
IV.
O DEMÔNIO DA TRISTEZA
A tristeza surge as vezes por
frustração dos desejos, outras vezes ela é uma consequência da ira. Quando
nasce da frustração dos desejos, acontece assim: Primeiramente surgem
pensamentos que fazem a pessoa lembrar-se de casa, dos pais e da vida passada.
E quando veem que a alma, em vez de resistir a estes pensamentos, as acolhe e
se alegra interiormente com o prazer, então eles tomam posse da alma e
mergulham-na na tristeza porque já não se tem mais o que se tinha antes, nem se
pode ter por causa da vida presente. E quanto mais ela se alegrou com os
pensamentos de antigamente, tanto mais se desencoraja e sente-se oprimida pelos
que vem depois (P10).
A causa última da tristeza é
para Evágrio um apego exagerado ao mundo: Quem ama o mundo há de experimentar muita
tristeza; mas quem despreza as coisas deste mundo há de encontrar alegria em
tudo (Geister: PG 79, 115).
Quando alguém deseja muita
coisa da vida, facilmente ele fica decepcionado e cai na tristeza. Esta oprime
o coração do homem, pressiona-o, ao passo que a alegria o dilata (diacheo e
systello). Outra característica da tristeza é o apego ao passado. No passado
tudo era melhor e mais bonito. O olhar para o passado torna a pessoa cega para
o presente. Ela já não se abre mais para a realidade, mas antes refugia-se nas
aparências transfiguradas do passado. E logo que é obrigada a confrontar-se com
o presente, a pessoa se enterra em sua tristeza, de onde não se deixa mais
retirar por coisa alguma.
A tristeza enfraquece a razão
contemplativa. Nenhum raio de sol penetra nas profundezas da água, e a visão da
luz já não clareia o coração invadido pelas sombras. O nascer do sol é uma
alegria para o homem, mas mesmo com isto a alma perturbada experimenta
sentimentos desagradáveis (PG 79, 1157).
V.
O DEMÔNIO DA IRA
Estreitamente ligada com a tristeza
está a ira. Cassiano coloca a ira antes da tristeza, e mesmo Evágrio, em seu
escrito sobre os oito espíritos do mal (PG 79, 1150ss), trata da ira antes da
tristeza. Pois por vezes a tristeza nasce da ira, que Evágrio descreve da
seguinte maneira:
A ira é uma paixão muito
ardente. Dizemos que é como uma fervura da parte emocional da alma contra quem
nos fez uma injustiça ou quem nos parece haver feito uma injustiça. Ela azeda a
alma o dia inteiro, mas, sobretudo, arrasta consigo a razão durante a oração,
ao manter diante dos olhos a face do ofensor. Quando perdura e se transforma em
ressentimento, provoca confusão à noite, desmaio e palidez do corpo e ataques
de feras selvagens. Estes quatro sinais que se seguem ao ressentimento são
quase sempre acompanhados de numerosos outros pensamentos (P11).
A ira obscurece o espírito do
homem, rouba-lhe a clareza. Os pensamentos do homem irado são brotos de víboras
venenosas e devoram o coração que os faz nascer (PG 79, 1156).
As emoções violentas arrastam
consigo o homem, impedindo-o de pensar com clareza. Seu efeito sobre a alma é
tão nefasto assim porque através delas o inconsciente negativo penetra na
consciência, com todas as imagens que provocam o medo e que passam a dominá-lo.
O homem fica de tal forma à mercê de seus afetos que se deixa conduzir por
eles, e, sobretudo, deixa-se levar à vingança. Ira clama por vingança. Quando a
vingança não é possível, a ira se transforma em ressentimento, um estado de
ânimo de permanente e raivosa insatisfação, mas também em tristeza.
Quando não
resiste ao afeto da ira, o monge é na verdade devorado por ela, como diz
Evágrio, ou, na linguagem de Jung: o eu perde a compostura, “quer dizer, não
consegue mais defender sua existência contra o assalto dos fatores afetivos,
uma situação que pode ser encontrada com frequência no início de uma
esquizofrenia”.
VI.
O DEMÔNIO DA ACÍDIA
O demônio da acídia, também
chamado demônio do meio-dia, é o mais trabalhoso de todos. Ele ataca o monge
pela quarta hora e o sitia até a oitava hora. Primeiro faz com que o sol se
mova muito devagar, ou que não se mova de maneira nenhuma, e que o dia pareça
ter 50 horas. Depois impele o monge a sempre olhar para a janela e a correr
para fora da cela, para ver se o sol ainda está longe da nona hora, e olhar ao
redor para ver se não vem chegando algum irmão. Além disso injeta uma aversão
contra o lugar em que se vive e contra a própria forma de vida, contra o
trabalho manual, e inocula a ideia de que a caridade desapareceu entre os
irmãos e que não existe mais ninguém que possa trazer algum consolo. E se por
estes dias alguém ocasionou-lhe uma ofensa, o demônio utiliza também isto para
aumentar a aversão. Faz com que o monge anseie por outros lugares e onde possa
encontrar mais facilmente o que precisa e onde possa encontrar uma vida menos
trabalhosa e mais útil. E acrescenta que agradar ao Senhor não depende do
lugar. Deus, diz ele, pode ser adorado em toda parte. A tudo isto acrescenta
ainda a lembrança dos parentes e de sua vida passada, pintando-lhe como a vida
é longa, e mantendo-lhe diante dos olhos as dificuldades da ascese. Mobiliza,
como se diz, todas as suas baterias para que o monge deixe sua cela e se desvie
de sua rota. Atrás deste demônio não segue diretamente nenhum outro: um estado
de paz e de indizível alegria toma posse da alma após o combate (P12).
A acídia é o abatimento do
corpo e do espírito, a moleza e frouxidão. Para os antigos monges, o demônio da
acídia é o mais perigoso de todos. Ele vem acompanhado por quase todas as
tentações e pensamentos. Enquanto os outros demônios não atingem senão uma
parte da alma, o demônio do meio-dia ocupa a alma inteira (cf. P36). Ele sufoca
a razão e rouba da alma todas as suas forças. A pessoa não tem mais gosto por
coisa nenhuma.
Cassiano chama a acídia também
de tédio ou temor do coração, opressão interior. A falta de vontade impele a
pessoa ou a dormir ou a fugir da cela, a procurar agitação. Evágrio descreve
com bastante humor o comportamento de uma pessoa acometida de acídia: O olho do preguiçoso se volta
muitas vezes para a janela e seu espírito imagina as pessoas que vêm visitá-lo.
Range a porta, e logo ele se levanta, ouve uma voz e olha curioso pela janela,
de onde não se afasta, ouve uma voz e olha embasbacado para fora. Na leitura o
preguiçoso boceja muitas vezes e sente-se poderosamente atraído pelo sono;
desvia os olhos do livro e os esfrega, voltando-os para a parede. Depois olha
de novo para o livro, lê algumas palavras, esforçando-se inutilmente por
perceber o sentido das palavras. Conta as páginas do livro e examina a escrita.
Censura a escrita e o feitio, e por fim fecha o livro e o coloca sob a cabeça
para dormir. E dorme um sono leve, porque depois a fome desperta a sua alma, e
ele a sacia (Geister: PG 79, 1160).
Gregório Magno menciona as consequências
da acídia: desespero, desânimo, mau humor, azedume, indiferença, sonolência,
tédio, fuga de si próprio, aborrecimento, curiosidade, dispersão no falar,
agitação do espírito e do corpo, inconstância, pressa e vacilação. A acídia é a
grande tentação dos eremitas. É uma questão de vida ou morte. Tudo é
questionado, falta todo impulso interior, o coração parece gravemente enfermo,
a alma confusa.
A alma adoece e sofre,
mergulhada no amargor da acídia. Em tal excesso de sofrimento abandonam-na
todas as forças. Sua capacidade de resistência fica prestes a abandonar o campo
a um demônio tão poderoso. Ela perdeu a cabeça, comportando-se como criancinha
que chora e se lamuria sem parar, como se não houvesse mais qualquer esperança
nem consolo (Ant VI, 38).
Todo o organismo da alma fica
abalado. O homem sente-se nos limites de sua condição humana. Recai num
comportamento infantil, busca quem dele se compadeça.
André Louf considera a acídia a
crise em que cai necessariamente aquele que elimina todas as distrações. A
acídia é “uma espécie de vertigem diante do vácuo entre a alma e Deus,
impotência de abrangê-lo ou, simplesmente, de suportá-lo”. Na acídia o monge
chega às raias da loucura. “A ruína espiritual e a decadência psíquica o
espreitam”. Mas aquele que atravessa esta crise, aquele que se mantém firme, ou
que simplesmente a suporta, este experimenta uma profunda paz e alegria. “Um
homem novo, mais harmoniosamente integrado, é o que sai desta provação”.
A acídia corresponde ao estado
que M.L. v. Franz chama de “perda da alma”. “A perda da alma aparece como uma
repentina falta de disposição, como um cansaço. A pessoa deixa de ter alegria
na vida, sente-se vazia e inerte, para ela nada mais parece ter sentido”. Franz
explica este estado pelo fato de uma grande parte da energia psíquica haver fluído
para o inconsciente, e, por conseguinte, não se encontrar mais à disposição do
eu. A energia foi sugada por um complexo inconsciente. Enquanto ira e tristeza
são reações à não-satisfação dos três instintos básicos, na acídia os instintos
são reprimidos. Para Evágrio o perigo da acídia consiste precisamente em que
ela se esconde àquele a quem acomete. Sem que o homem perceba, os instintos
desordenados assumem as rédeas, por vezes até mascarados de virtudes. A esta
observação de Evágrio corresponde o que Franz constata em muitas depressões
endógenas, a saber, que “no fundo de toda paralisação e estagnação da
personalidade existe como que um desejo qualquer particularmente intenso (poder,
amor, impulso de expansão, agressões, etc.), mas que o homem depressivo, por
variados motivos, não ousa trazer à tona”. Na acídia os três instintos básicos
atacam o homem a partir do inconsciente, como impulsos reprimidos, e que por
isso já não podem ser claramente reconhecidos. E é precisamente o fato de não
se ver o adversário contra quem se combate que torna a acídia tão perigosa. Os
monges aconselham a perseverança, porque então há de surgir uma nova vida, há
de chegar à paz e à alegria. Franz expressa isto, do ponto de vista
psicológico, com estas palavras: “Quando por bastante tempo se reside neste
estado, mais tarde quase sempre o complexo que havia sido ativado pela energia
retirada retorna à esfera consciente: surge um intenso interesse pela vida, mas
que agora quase sempre impele em uma direção diferente”.
VII.
O DEMÔNIO DA VAIDADE
O pensamento da vaidade é um
pensamento muito sutil, que com facilidade infiltra-se entre os virtuosos.
Inspira-lhes o desejo de publicar suas lutas e de irem atrás da glória dos
homens. Fá-los fantasiar que estão expulsando furiosos demônios, curando as
mulheres, que multidões procuram tocar-lhes os mantos. Prediz-lhes que hão de tornarem-se
sacerdotes, e já fazem o povo vir bater à sua porta em busca de conselho. E se
por acaso eles não quiserem, hão de ser levados à força. E fá-los criar
esperanças vãs, e entrega-os às tentações pelo demônio do orgulho ou da
tristeza, que lhes inspira pensamentos contrários às suas esperanças. Às vezes
entrega-os também ao demônio da luxúria, eles que pouco antes ainda apareciam
como um santo e como um sacerdote digno de veneração (P13).
A vaidade não se encontra no
mesmo plano dos outros vícios. Ela é por Cassiano atribuída à parte racional da
alma. A vaidade surge quando os outros vícios parecem já ter sido ‘superados’.
Mas ela neutraliza o esforço para vencer os vícios. E o demônio da vaidade é
particularmente esperto, ele sempre se infiltra quando os outros demônios já
parecem haver sido vencidos. Evágrio compara a vaidade com uma bolsa de
dinheiro furada. A gente coloca nela o salário de seus combates. Mas ela não
guarda coisa nenhuma. Sendo assim a vaidade neutraliza todos os esforços para
alcançar a vitória. Faz com que o monge lute por uma motivação errada, não para
se abrir a Deus mas sim para agradar aos homens. Mas com isto ele passa a
orientar-se pelo exterior e perde a sinceridade de olhar para si próprio.
Mais de uma pessoa identificada
com elevados ideais tem sucumbido à tentação da vaidade. Como o ideal conta com
o apreço dos homens, através do esforço por alcançá-lo, ele se compromete a
aumentar o sentimento de seu próprio valor. Na vaidade o que ocupa o primeiro
plano é, em última análise, o próprio eu. Trata-se de glorificar o eu, e não de
entregar-se a Deus.
VIII.
O DEMÔNIO DO ORGULHO
O demônio do orgulho leva a
alma a uma profundíssima queda. Convence-a a não reconhecer a ajuda de Deus,
mas a acreditar que a causa de suas boas ações vem por ela mesma, e a olhar os
irmãos de cima para baixo, como pessoas ignorantes e sem compreensão. Depois do
orgulho vem a ira e a tristeza, e mais tarde, como último mal, a confusão do
espírito, a loucura, e visões de uma legião de demônios nos ares (P14).
O orgulho não é apenas o
último, mas também o mais perigoso dos vícios. O orgulhoso considera-se a si
mesmo como Deus, e em última análise ele renega sua condição de homem. Isto o
retira da realidade para um mundo de aparências em que ele incha-se cada vez
mais, terminando na confusão do espírito. O orgulho é aquilo que C.G. Jung
chama de inflação. A pessoa incha-se com o que contém seu inconsciente, e com
isto ela perde cada vez mais o sentido da realidade. Por último passa a
considerar-se como um grande reformador, um profeta ou um santo. Nega suas
próprias sombras e sem perceber é arrastada pelo inconsciente. Segundo Jung,
isto leva à perda do equilíbrio da alma, à dissolução da personalidade. Por
conseguinte, é adequado falar-se do demônio quando nos referimos aos perigos do
orgulho. Pois o orgulhoso, ao identificar-se com o arquétipo do inconsciente,
entrega-se inteiramente ao seu poder, torna-se verdadeiramente um possesso. Por
isso, precisamente no contexto do orgulho, os monges falam de confusão do
espírito, ou mesmo de perda do espírito.
Os oito vícios e os demônios
relacionados com eles ameaçam cada vez mais o homem. Enquanto os três impulsos
básicos são relativamente fáceis de controlar, com os três estados de ânimo a
luta é muito mais difícil. Do homem adulto espera-se que ele domine os três
impulsos básicos de maneira a não prejudicarem sua personalidade como um todo.
É claro que também existe aqui um mais e um menos. Como os instintos possuem
uma função positiva, também não se trata de eliminá-los mas apenas de os
ordenar e de os integrar. Mas quando passamos a ocupar-nos com os três estados
de ânimo, trata-se de integrar as próprias sombras. Primeiramente torna-se
necessário que admitamos as necessidades e os desejos, para que não tomem posse
da alma como emoções negativas e escapem a todo e qualquer controle. Depois,
precisamente na luta contra a tristeza e a falta de disposição, é do
inconsciente que se trata, sobretudo, da integração da anima, da parte feminina
da alma, que no sexo masculino, quando reprimida, se manifesta como mau humor.
Esta luta, tanto segundo Jung como também segundo Evágrio, realiza-se na fase
da meia-idade, e se demonstra como essencialmente mais difícil do que o domínio
dos instintos. Na luta contra a vaidade e o orgulho trata-se da sinceridade
para consigo mesmo e da relação com Deus. Na terminologia de Jung trata-se de
saber se o Eu irá dar lugar ao Selbst, se o eu tentará assumir os conteúdos do
inconsciente e com eles enriquecer-se, ou então se ele irá se abrir e se entregar
ao numinoso que lhe vem ao encontro nos arquétipos do inconsciente, sobretudo
no arquétipo de Deus. Do ponto de vista religioso trata-se de saber se eu quero
usar Deus e os homens para mim mesmo, para minha própria glória, ou se quero
servir a Deus e aos homens, se estou pronto a renunciar aos meus ideais e as
minhas imagens de Deus para entregar-me ao Deus verdadeiro, para render-me ao
Seu amor.
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Fonte:
Convivendo com o mal - A
luta contra os demônios no monaquismo antigo; de Anselm Grün.
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