Prof.
Dr. Francesco Bindella (*)
* * *
Na fé hebraica e cristã e
também islâmica, a revelação do Nome divino “EHJEH ‘ASER ‘EHJEH” = “SOU AQUELE
QUE SOU” na teofania da ‘sarça ardente’, representa em todo o arco do Antigo
Testamento o degrau supremo da revelação que o Deus de Israel tinha participado
ao homem. Também, dos vários nomes divinos veterotestamentários: ‘ELOHIM, JHWH,
EL SHADDAY, ETC, ele é o único que tinha sido objeto de uma revelação
específica já que, em todo o arco da Escritura, nunca mais ele recorrerá nesta sua
completa formulação.
Desde o início desta pequena
exposição, será conveniente recordar a importância significativa que o nome
apresentava no âmbito da cultura hebraica e no uso bíblico. Mais do que um
apelativo convencional linguístico, ele era considerado como expressivo da
íntima essência da pessoa (ou coisa) designada, tanto que podia manter-se
válido o dito: “Dize-me como te chamas e eu te direi quem és”, ou então: “A
pessoa é como se chama”.
Um exemplo emblemático,
comumente aduzido, é aquele de Nabal que significa ‘estulto’: “Nabal é o seu nome
– lê-se em 1Sm 25,25 – e estultícia (nebalah) está com ele”.
Desde o início do texto
bíblico, os nomes pessoais apresentam um significado essencial, são expressivos
da natureza íntima da pessoa designada e do particular papel que ela exerce no
quadro da ‘história salutis’ (assim
Eva: Gn 3,20; Caim: Gn 4,1; Noé Gn 5,29; a cidade de Babel: Gn 11,9 etc).
As histórias dos patriarcas
apresentam explicações etimológicas abundantes: Isaac recorda a risada de
Abraão (Gn 17,17) e Sara (18,12;21,6); Jacó é aquele que astutamente agarra o
calcanhar (Gn 25,26; 27,36; Os 12,4) e o seu irmão Esaú se chama Edom, porque
era avermelhado (‘adômî: Gn 25,25) e tomou a ‘sopa avermelhada’ (25,30).
“Podemos assim dizer – escreve
H. Bietenhard à conclusão de um exame sobre o significado do nome para as
outras religiões em geral - que o nome é
uma potência estritamente conexa com aquele que o carrega e que faz conhecer a
essência; quando o nome é prenunciado ou invocado, a energia potencial de que é
composto se transforma em energia atual”. “O nome não é somente uma designação;
é a essencialidade reduzida à palavra”.
Há inclusive, alguns casos em
que o próprio JHWH intervém para mudar o nome a um eleito: é o caso de Abraão
(de ‘Abram a ‘Abraham: Gn 17,5), Sara (de Saray a Rarah: Gn 17,15) e de Jacó
(de Ya’aqob a Yisra’el: Gn 32,28), enquanto para Isaac dá-se a imposição de
nome no nascimento (Yitschaq Gn 17,19).
Há Também o caso, único, de
mudança de nome a uma cidade: Jerusalém em perspectiva escatológica (Is 1,26;
62,2; Zc 8,3) e que, em relação a Abrão, Isaac, e Jacó, será dita “preparada por Deus para eles” (Hb 11,)
qual objeto de sua herança, a eles associada o dom de um nome novo.
A mudança de nome a um homem
por parte de Deus na Escritura é, ao mesmo tempo, profecia e investidura de
fundação pela qual o eleito é constituído fundador
e chefe em sentido orgânico: fundador
de uma instituição de origem divina destinada a penetrar e a se perpetuar na
história elevando-a a ‘história de salvação’; chefe, no sentido que tal direta iniciativa divina impõe uma ordem
salvífica orgânica pela qual o eleito
se torna lugar de incorporação para
as multidões.
Em consequência do evento de ‘nominação’, ou seja, do dom do nome novo
por parte de JHWH a Abraão (‘um’ com
Sara > Is 51,2; Hb 11,12), Isaac e Jacó, estes virão a constituir (aquela
que temos definido) a ‘tríade de fundação
da aliança’, lugar eleito de incorporação
para as multidões que deles teriam descido. Em relação a eles, construídos na
nova identidade e dignidade representada pelo dom do nome novo, “Deus –
acrescentará ousadamente a Carta aos Hebreus – não se envergonha de ser chamado
‘Deus deles’” (Hb 11,16).
O
nome na magia
Também na magia, em todos os
tempos, atribuiu-se grande importância ao nome. Conhecer o verdadeiro nome,
quando mais este nome seja inefável como o nome de um ser celeste e
pronunciá-lo em determinado rituais mágicos, confere ao mago o poder evocativo
sobre a potência numinosa do deus e lhe consente adquirir e dispor, segundo o
seu arbítrio, da mesma potência que o faz capaz de dominar o deus mesmo. Por
isso s nomes habituais dos deuses, especialmente na área cultural do antigo
Egito, não são os verdadeiros nomes, os nomes de ‘essência’.
Diz, por exemplo, o deus
supremo do Pantheon egípcio em um mito: “Eu
tenho muitos nomes e muitas formas... Meu pai e minha mãe disseram-me o meu
nome mas este está selado dentro do meu peito a fim de que nenhum mago ou feiticeira
adquirisse poder sobre mim”...
O nome na literatura
contemporânea
Destacamos
a obra: “A História Infinita” de Michael Ende, concebida e estruturalmente
centrada no valor essencial do Nome; parábola moderna da “criação submetida à
vaidade”, ou melhor: “à vacuidade” (Rm 8,20). A salvação da pequena Imperatriz
doente e do universo que lhe é solidário na mesma doença, está ligada ao dom de
um nome novo que só um ‘filho do homem’ lhe poderá oferecer.
Consequências hermenêuticas
As
consequências hermenêuticas que podem advir de tal princípio: “Uma pessoa é o
seu nome” (Bietenhard), entendido em sentido restrito, são – é apenas o caso de
ressaltar – de grande importância. Geralmente estas induziriam a reconhecer uma
fundamental correspondência e recíproca resolução entre ontologia bíblica e
‘onomatologia’.
No
caso particular da revelação do Nome divino ‘na sarça’, estas representariam
uma premissa seguramente favorável a reconhecer esta revelação no valor de
revelação ‘essencial’ ou hypostasis, quando se deva entendê-la em sentido
positivo e não (como gostariam de sustentar alguns exegetas) em sentido
‘evasivo’ ou até como recusa a responder à pergunta de nome. Como ulterior
consequência – não menos rigorosa e linear – isto comportaria para a ciência
bíblica e a teologia dever enxergar à revelação do Nome divino como a lugar
teológico e hermenêutico primeiro e principal.
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Francesco Bindella é natural da Itália (Badia Polesine, 1944); Licenciado em
Teologia Espiritual na Pontifícia Universidade Gregoriana (Roma 1972); Doutor
em Teologia Bíblica na Pontifícia Faculdade S. Tomás de Aquino em Nápolis
(1991).
É
Diretor do Centro de Estudos bíblico-teológicos “Il Presidio” (Associação Civil
e Canônica da Diocese de Fano, desde 1980); curador da Coleção de textos
“Collectio Praesidium Assisiense” (Edições Porziuncula, Assis).
Foi
professor de Religião e Teologia em vários Institutos na Itália; atualmente é
Professor de Teologia Bíblica e Pneumatologia na Faculdade São Bento, em
Salvador-Bahia, Brasil.
Il Presidio na Web:
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