"Certa vez, perguntaram a um ancião o caminho que levava ao abade António...
'Na caverna de um leão vive uma raposa', respondeu ele".
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Os mestres cristãos do deserto floresceram, explodiram num ápice que durou três séculos, do III ao VI depois de Cristo. Constantino tinha restituído aos cristãos, pouco tempo antes, o direito a existirem, rompendo com o Dogma de Cómodo — Cristianous me éinai, os cristãos não são —, e subtraído com uma certa suavidade a jovem religião ao terreno espantosamente húmido do martírio, aos tempos incomparáveis das catacumbas.
Isto significava, evidentemente, entregá-la a esse perigo mortal que se manteve por dezoito séculos: o pacto com o mundo. Enquanto os cristãos de Alexandria, de Constantinopla, de Roma, regressavam à normalidade dos dias e dos direitos, alguns ascetas, aterrados com esse possível pacto, fugiam correndo, para se embrenharem nos desertos da Cétia e da Nitria, da Palestina e da Síria. Embrenhavam-se num radical silêncio que só alguns dos seus ditos conseguiram romper, bólides dirigidos a um céu insondável. Em verdade, a maior parte desses ditos foi pronunciada para nada revelarem, tal como a vida desses homens quis ser igual à vida de «um homem que não existe». («Dizia-se dos Cetiotas que se algum conseguia surpreender as suas práticas, ou seja, se alcançava o conhecimento das mesmas, tal não era considerado virtude mas antes pecado»).