A Cruz como imagem do ser
humano redimido*
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Em seus escritos, Carl Gustav
Jung se voltou constantemente para o tema da cruz e vê na cruz um caminho da
individuação, da autorrealização humana. Jung não escreve sobre a morte de
Jesus na cruz, mas sobre a cruz como símbolo. O símbolo da cruz desempenha um
papel importante no processo de individuação do ser humano. No curso de sua
vida, cada ser humano precisa passar do Ego, que é o âmago consciente de sua
pessoa, para o Self, o centro mais íntimo da pessoa, que inclui simultaneamente
o consciente e o inconsciente. Nesse caminho da individuação, os símbolos têm
uma tarefa especial. Jung refere-se aqui não apenas a símbolos, mas a imagens
arquetípicas que são disponíveis na alma do ser humano e que desencadeiam e
dirigem o processo da individuação.
Para Jung, Cristo e a cruz
estão entre estes arquétipos que podem transformar o ser humano. Cristo é o
símbolo mais desenvolvido do Self. É claro que Jung não dissolve o Jesus
histórico numa imagem arquetípica. Também para Jung, Jesus foi uma figura
histórica. Mas, ao mesmo tempo, ele apelou ao arquétipo do Self que está
disponível na alma e o tornou ativo.
A cruz desempenhou um papel
importante no caminho da transformação de Jesus. Também nosso caminho da
individuação passa pela cruz. A cruz tem para Jung vários significados no
processo de individuação. Em todos os distintos aspectos da cruz, trata-se para
Jung sempre do efeito sanador e centrador sobre o Self do ser humano.
Por um lado, a cruz é um
símbolo do sacrifício. Jung entende sob sacrifício o abandono do Ego em favor
do Self e a renúncia à determinação pelos instintos, a transformação da libido.
No sacrifício, o ser humano abandona-se a Deus. Para poder se entregar a Deus,
o ser humano precisa primeiro conhecer-se a si mesmo. Por isso, o sacrifício é
sempre antecedido por um ato de autoexame. A instância do ser humano que
sacrifica algo do Ego é o Self. Ao sacrificar o Ego, o Self ganha a si mesmo. A
cruz como sacrifício é, para Jung, ao mesmo tempo, uma imagem drástica da
repreensão dos instintos. Aqui não se trata da superação dos instintos animais,
mas de uma entrega do ser humano inteiro de “um disciplinamento de suas funções
especialmente humanas e espirituais, em direção a uma meta espiritual
supramundana”. O sacrifício na cruz não quer despedaçar o ser humano, mas promovê-lo
em seu caminho interior. Na História, esse sacrifício, ao qual a cruz convidou
os cristãos, “levou a um desenvolvimento da consciência que, sem esse
treinamento, seria simplesmente impossível”. Sem o disciplinamento através da
ascese cristã, manifestam-se novamente a rudeza e a falta de consciência da
Antiguidade.
O segundo significado da cruz é
para Jung que ela simboliza o sofrimento. Segundo Jung, cada passo no caminho
da conscientização progressiva pode ser somente comprado com sofrimento. O
sofrimento é o portão pelo qual o ser humano precisa passar quando quer se
tornar consciente de si mesmo. O sofrimento tem sua causa principalmente no
fato de que o ser humano tem de aceitar-se em suas contradições que às vezes
ameaçam dilacerá-lo. Quem se põe a caminho
para tornar-se íntegro experimenta como está cruzado e contrariado por
contradições e opostos interiores, pelo oposto de luz e trevas, de bem e mal, de consciente e inconsciente, de
masculino e feminino.
Diz Jung:
Quem quer que se encontre no
caminho para a integridade não pode escapar daquela estranha suspensão
representada pela crucificação. Pois encontrará sem falta aquilo que o cruza e
contraria, a saber, primeiro, aquilo que ele não quer ser (sombra); segundo,
aquilo que ele não é, mas que o outro é (realidade individual do tu); e,
terceiro, aquilo que é seu Não-Ego psíquico, a saber, o inconsciente coletivo.