"A escada para o Reino dos Céus está escondida em tua alma. Mergulha para dentro dos pecados que estão em ti mesmo e, assim, encontrarás ali uma escada pela qual poderás ascender" Isaac de Nínive.
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Obs.: Abaixo, tradução do versículo bíblico para outras línguas:

"POR ISSO A ATRAIREI, CONDUZI-LA-EI AO DESERTO E FALAR-LHE-EI AO CORAÇÃO" Oséias 2,16
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segunda-feira, 29 de abril de 2013

Contextualização pessoal da Palavra



A Palavra na história pessoal vivida. Momentos de abertura e fechamento à voz interior: Um relato concreto*:





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Com que coragem, eu, um jovem monge, desprovido daquela autoridade credenciada pela experiência de fé de anos e anos construída no natural e sempre novo cotidiano monástico, aventura-se a tornar conhecida minha intimidade com Deus por meio de Sua Palavra?

Respondo que, a única autoridade que se possa invocar para falar a outrem é o da ‘busca’ e o da ‘verdade’. Pela primeira, ainda que não seja longa, tem sua real experiência de vida. Pela segunda, é permitido a tal jovem monge dar testemunho de sua história pessoal de fé e meditação na perene atualidade da Palavra de Deus: A Sagradas Escrituras. Por ambas, se realiza aquela busca mútua de Deus para com sua criatura predileta que é o homem, e do mesmo para Deus que é a Verdade. 

É, pois, a partir dessa mútua procura entre Deus e o homem, a qual é sempre precedida por Ele – como nos atesta a Sagradas Escrituras e seguida fielmente pelo Magistério ao longo dos séculos – é que se inicia esta minha trajetória de fé, de busca, o que não é senão minha resposta à Palavra que se auto-revela em minha particularidade, e, se autorrevelando, me torna claro os Seus desígnios, me concedendo a partir de minha abertura à graça de responder a Sua Vontade.
  

Neste itinerário, muitas foram as pessoas por meio das quais, Deus, dando-Se a conhecer a mim desde o meu primeiro encontro com a fé, ainda que inconscientemente no momento do batismo, até às pessoas atuais com quem me deparo no desenrolar  de minha peregrinação de fé, recordo nitidamente a participação de meus pais, minhas catequistas, meu pároco e irmãos de caminhada eclesial; somando-se a estes me vem a lembrança os momentos de retiros, bem como as orações e meditações individuais, onde pude ir percebendo como Deus, qual tecelão, ia tecendo esta minha primeira etapa no processo de amadurecimento espiritual, e como fui aderindo ao reconhecer a Sua presença, Sua revelação, enfim, o Seu projeto, ao qual nem sempre reagi de maneira positiva e receptiva. Porém, os não raros momentos de medos, incertezas, infidelidades e negação de mim mesmo, não foram obstáculos à eficácia da Palavra viva e atuante de Deus em mim. Ao contrário, essas sombras juntando-se às luzes serviram antes de tudo para aproximar-me mais radicalmente d’Ele, que, ao revelar-se a mim em Sua Palavra encarnada, Jesus Cristo, deu-me forças e coragem para perceber e aceitar meus limites e, sobretudo, dizer sim à nova etapa do meu amadurecimento na fé a qual Deus um dia me chamaria: o ingresso na vida monástica. 

 Militando, pois, sob um abade e sob uma regra, justamente neste período de formação inicial da vida monástica, chamado mais propriamente de postulantado e noviciado, que movido pelo trasbordante ardor presente nos iniciantes à vida religiosa, a qual em um mosteiro é essencialmente marcada pelo silêncio, ofício divino, trabalhos e não em último lugar pela lectio divina, como um vaso de argila sendo modelado pelo e para o uso de seu oleiro, eu, embebido por uma profunda abertura interior jamais vista antes, pude viver um estado em que Deus é buscado em primeiro lugar e tudo mais se ordenar em função dessa busca, o que me proporcionou entre outras coisas, ouvir e saborear a Palavra de maneira mais intensa, a ponto de encontrar nesta Palavra Aquele a quem minha alma ansiava. No entanto, trilhando os caminhos desta procura, sempre que olho para mim mesmo, em contato com a Palavra, meus olhos se enchem de lágrimas e meu coração se entristece, mas, se escuto a Palavra e a medito, se rezo a Palavra e a pratico, o pranto e a tristeza de me ver miserável são suavemente suprimidos pelo Gáudio de ouvir e sentir o Verbo inefável que é Cristo, falando no mais íntimo e profundo de mim. E por tal experiência, a qual considero demasiadamente grande por saber que Deus em Sua grandeza se comunica com a minha pequenez, é por onde adquiri um conhecimento copioso e salutar de mim e de Si.  
  
Hoje, depois de não mais vivenciar momentos iguais aos dos primórdios da minha vocação, posso dizer que foi este o momento, onde, seguindo aquele tão antigo quanto sábio conselho do patriarca Bento ao dizer: “Escuta filho, os preceitos do Mestre, e inclina o ouvido do teu coração...”. Com uma inenarrável doçura de amor, colhi os frutos da Boa Vinha, pois, com o passar dos anos, mais precisamente após a profissão dos votos de obediência, estabilidade e conversão dos costumes, talvez como fuga e desprezo de parte daquela minha realidade que outrora me deparei ao me relacionar com a Palavra, aos poucos, caindo num relaxamento interno e externamente da disciplina monástica, numa total dureza e surdez do coração, fui lentamente perdendo o doce sabor da Palavra, chegando até mesmo querer vivenciar posturas contrárias à minha opção de vida e inevitavelmente, como já era de se esperar, experimentar momentos mais fortes e duradouros as minhas debilidades que estultamente sem compreendê-las, ora as abraçava, ora as desprezava, restando-me agora, sozinho, tonto e angustiado dizer com o salmista: “...clamo de dia e de noite e para mim não há resposta” (Sl 21,3).  

Assim, considerando três vezes maior o tempo em que me sinto fechado à Voz de Deus, em relação ao tempo de abertura, e mesmo não sabendo até quando durará este exílio espiritual, não mais me desespero, pois, na minha experiência primeira com o Verbo, mesmo pequena se comparado ao tempo de distanciamento em que me encontro, vi e sinto que a Palavra divina não é uma Palavra escrita e muda, mas, é o Verbo encarnado e vivo. Por isso, não me parece absurdo dizer que mesmo me sentindo exilado da Palavra, não me desespero, porque pela experiência vivida tenho a certeza da presença do Verbo em meu ser, em meu cotidiano. Mesmo que eu O sinta distante e não O perceba, sei que distante estou eu Dele e não Ele de mim. Daí, se antes clamava aflito: “Ó meu Deus, clamo de dia e não me ouvis, clamo de noite para mim não há resposta”, no momento presente, com o coração cheio de esperança, resta-me esperar o dia em que possa gritar com o profeta: “Clamei pelo Senhor na minha angústia, e Ele me atendeu e libertou” (Sl 117, 5).

                                                                                  
                                                                          Um monge da Ordem de Cister.





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*Este depoimento encontra-se no livro “Inclina o ouvido do Coração” – em andamento – escrito por Mauro de Almeida.



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