PAX
“O Senhor disse-lhe: Sai e conserva-te em cima do monte na presença do Senhor: ele vai passar. Nesse momento passou diante do Senhor um vento impetuoso e violento, que fendia as montanhas e quebrava os rochedos; mas o Senhor não estava naquele vento. Depois do vento, a terra tremeu; mas o Senhor não estava no tremor de terra. Passado o tremor de terra, acendeu-se um fogo; mas o Senhor não estava no fogo. Depois do fogo ouviu-se o murmúrio de uma brisa ligeira. Tendo Elias ouvido isso, cobriu o rosto com o manto...” 1Rs 19,11-13a.
Estamos sempre a alimentar pelo desejo – e esse, advindo do mais profundo de nosso ser – para alguns, inconsciente, assinalado pela angústia na espera de algo que se faça presente e que por vezes não sabemos explicar; nisso constitui a busca incessante de noss’alma, desde o paraíso, e que por certo se torna a razão de nossa completude.
O salmista numa linguagem simples nos faz entender melhor esse anseio da alma quando disse: “Só em Deus repousa a minha alma, é dele que me vem o que eu espero” (Sl 61,6).
Para os que creem, qualquer que seja a orientação recebida, a espera é sempre pautada por meio de uma antecipação da visão, na qual se pode experimentar uma alegria sem explicação, ainda que sob véus aparentes, mas, com a certeza de que o momento certo virá. Essa experiência é típica dos que buscam de coração sincero pelas respostas à suas indagações internas e podemos constatar nos homens e nas mulheres, que, apoiando-se na fé, procuram avançar e chegar a bom termo nesta vida.
A experiência do profeta Elias no Horeb, mencionado na narrativa acima, é um exemplo do discernimento da passagem do Senhor sobre o monte, como resultado de seu desejo profundo de sentir Sua presença como força e consolo na caminhada que naquele momento particular estava enfrentando.
É importante ressaltar que o desejo de Elias estava atrelado ao cansaço psicológico e físico. Para aquele momento difícil, sob o contexto de perseguição que atentava contra sua vida, já sem muitas esperanças, abatido por conta da infidelidade de sua gente para com as leis divinas, se encontrou por ora perdido e sem saída, restando somente a morte. É quando o Senhor lhe aparece e apazigua o seu coração.
“...ouviu-se o murmúrio de uma brisa ligeira”
E Deus estava no ‘murmúrio da brisa’... Ora, encontrar a Deus ao som do quase não audível – ao invés de podermos encontrá-Lo nas tempestades e trovões, ou até no fogo como se é de esperar a um Ser tão poderoso – é dizer que Deus está para além de nossas inquietações tanto externas como as de nosso interior.
Sem dúvida alguma, o profeta foi preparado como que por meio de estágios, que envolvessem o confronto com a sua realidade atual para só assim poder acolher a presença do Senhor em sua totalidade. O vento impetuoso, o tremor de terra e o fogo, não foram senão figuras externas e a maneira mais próxima de se explicar de como o seu interior estava carregado com as realidades que o perturbavam, mas ‘o Senhor estava na brisa suave’, sinal do estado adequado para se acolher O mesmo que deveria passar por ali, ou melhor, no mais profundo de seu ser; pois, ‘é na quietação que o Senhor se revela’, mas, também, não exclui a possibilidade do confronto com nossas tempestades interiores.
Na experiência de Elias, podemos constatar que o Senhor já estava presente, mas, não lhe foi perceptível num primeiro momento. Seguramente, com o espírito abalado e confuso em relação ao medo pelo que lhe estava por vir com a perseguição, não lhe fora dado contemplar ou sentir a presença d’Ele.
Para percebê-Lo, Deus exige de nossa parte aquela disposição sadia que tudo faz se aquietar no sossego de noss’alma, para só depois, desarmados de nossos pensamentos, muitos dos quais apegados sobre a imagem errada que fazemos segundo o ponto de vista alheio e não com aquele que nos configura a Ele.
É justamente por meio dessa experiência contemplativa do profeta, que nos portais dos mosteiros beneditino/cisterciense encontramos a inscrição “PAX”, como um convite à todos os que aí habitam e chegam, de se lembrarem a cada instante, que, apaziguar os nossos corações é preciso, para podermos perceber o Senhor que quer passar e nos falar ao coração. Quanto a isso São Bento é muito rigoroso quanto a escolha do abade, uma vez que o mesmo deverá estar à frente de muitos no mosteiro como dispensador dos bens espirituais, quando escreveu em sua regra:
“Não seja turbulento nem inquieto...” (RB 64, 16).
Uma vez que São Bento desejou que os mosteiros fossem lugares propícios à escuta, não podia ser diferente quando ele mesmo definiu que os mesmos fossem vistos como uma 'escola do Serviço do Senhor'; ora, se são como escolas, existe um Mestre, se tem um Mestre há discípulos que escutam. A voz aí é puramente divina, perceptível no silêncio de nossas quietações, apesar do burburinho que é nossa realidade interna.
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Sobre
a PAZ (apoftegma):
Certo dia, um noviço resolveu renunciar ao mundo. Disse ao ancião: “Quero ser monge”. O ancião respondeu: “Não conseguirás”. E o outro: “Conseguirei!”. O ancião disse: “Se realmente queres, vai, renuncia ao mundo e depois vem morar em tua cela”. Ele foi, doou o que possuía, guardou para si cem moedas e retornou ao ancião. O ancião lhe disse: “Vai morar em tua cela”. Ele foi. Enquanto lá estava, seus pensamentos lhe disseram: “A porta está velha e deve ser trocada”. Foi, e disse ao ancião: “Meus pensamentos me dizem: A porta está velha e deve ser trocada”. O ancião lhe respondeu: “Ainda não renunciaste ao mundo; vai, renuncia ao mundo e depois volta aqui”. Ele foi, doou noventa moedas, guardou dez e disse ao ancião: “Eis, renunciei ao mundo”. Disse-lhe o ancião: “Vai, habita tua cela”. Ele foi. Enquanto lá estava, seus pensamentos lhe disseram: “O teto é velho e deve ser refeito”. Dirigiu-se ao ancião: “Meus pensamentos me dizem: o teto é velho e deve ser refeito”. Disse-lhe o ancião: “Vai, renuncia ao mundo”. O irmão foi, doou as dez moedas e retornou ao ancião: “Eis: renunciei ao mundo”. Enquanto estava em sua cela, seus pensamentos lhe disseram: “Tudo é muito velho, virá um leão e me devorará”. Expôs esses pensamentos ao ancião, que lhe disse: “Eu gostaria que tudo caísse encima de mim e que um leão viesse devorar-me, para ser libertado desta vida. Vai, habita tua cela e reza a Deus”.
Padres
do Deserto
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“Ó Deus, vós sois o meu Deus, com ardor vos procuro. Minha alma está sedenta de vós, e minha carne por vós anela como a terra árida e sequiosa, sem água”
Sl 62,2
“Se alguém te denunciar na justiça para tirar-te a túnica, cede-lhe também a capa. Se alguém vem obrigar-te a andar mil passos com ele, anda dois mil”
Mt 5, 40-41
By Maurus
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