"A escada para o Reino dos Céus está escondida em tua alma. Mergulha para dentro dos pecados que estão em ti mesmo e, assim, encontrarás ali uma escada pela qual poderás ascender" Isaac de Nínive.
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Obs.: Abaixo, tradução do versículo bíblico para outras línguas:

"POR ISSO A ATRAIREI, CONDUZI-LA-EI AO DESERTO E FALAR-LHE-EI AO CORAÇÃO" Oséias 2,16
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segunda-feira, 13 de agosto de 2012

O Conhecimento por meio da Fé



Por Ir.Bruno Claudionor, O.Cist.*




Aos olhos de muitos, a mística especulativa desenvolvida durante a Idade Média pelos monges em seus conventos ou mosteiros, serviu apenas como pedra de tropeço para o crescente desenvolvimento filosófico-teológico-dialético neste mesmo período. Se por um lado esta concepção tem seu teor de verdade, por outro, está longe de corresponder a toda realidade. Com efeito, se é verdade e inegável que coube aos filósofos e teólogos dialéticos protagonizar toda atividade filosófica e teológica medieval, porque de fato, cabia a eles tal protagonização, não menos verdade é a importância e contribuição dada pelos místicos especulativos, seja pelos seus próprios modos de ser, de viver, seja pelos seus escritos.

Bernardo de Claraval, nascido no ano de1090 em Dijon, França, inseri-se nesta mística especulativa.

A fé enquanto saber seguro da realidade divina, segundo São Bernardo, vai constituir o alicerce do trabalho que se apresenta.

Bernardo não escreveu nenhum tratado especificamente sobre a fé, por isso, mesmo sendo toda sua obra considerada uma especulação mística, o que não é outra coisa senão o fruto de sua inabalável fé, fica difícil compreender a questão da fé como saber divino, fora daquela velha e conhecida problemática entre fé e razão que tão profundamente animou a discussão teológico-filosófica durante toda Idade Média. Por isso, seguindo um método de estudo, primeiro é dado ênfase ao pensamento de São Bernardo no contexto da Idade Média, e em seguida, é feito o aprofundamento do tema em estudo. Ciente dos nossos limites para esse trabalho e tentando responder às questões apresentadas, esperamos ao menos mostrar a importância do nosso estudo no alargamento e integração dos horizontes teológicos e na pesquisa sobre São Bernardo.  

Mestre por excelência da mística, São Bernardo mesmo pertencendo ao período pré-escolástico, rejeita completamente o método e a concepção de teologia e filosofia usados pelos filósofos e teólogos de sua época. Enquanto monge, ele escreveu primeiro para os “seus”. Porém, assim como suas atuações, os seus escritos, partindo de pressupostos universais, também ultrapassaram os claustros e atingiram os mais diversos públicos, desde o âmbito eclesial até à sociedade de um modo geral. Mas, ao rejeitar eficientemente o método dialético racional teológico-filosófico, qual método Bernardo usou para a construção de seu pensamento? Quais exatamente as linhas deste pensamento capaz de dar início a todo um movimento que se desenvolveu no curso dos séculos seguintes.  À primeira vista, ao menos assim parece tanto o método quanto o pensamento Bernardino relaciona-se com sua concepção de filosofia, que sendo decorrente da experiência claustral, é bem clara e diferente comparada com a dos filósofos de seu tempo. Diz ele: “A minha filosofia é conhecer Jesus, e Jesus crucificado”.  Sendo Deus para Bernardo a própria Sabedoria, este conhecer Jesus significa, pois, conhecimento ou amor a Sabedoria considerado indistintamente como busca da sabedoria, busca de Deus ou amor a Deus proporcionado pela fé:

“O que é Deus? Ele é ao mesmo tempo, comprimento, largura, altura e profundidade... Esse comprimento, o que ele é? A eternidade, pois esta é tão longa que não tem limites seja quanto o lugar, seja quanto ao tempo. É Deus também largura? E essa largura, que é ela senão a caridade que se estende até o infinito? Deus é altura e profundidade; e por essa altura deveis entender seu poder; e por profundeza, sua sabedoria. Ó sabedoria cheia de poder que chega a todos os recantos com força. Ó poder cheio de sabedoria que tudo dispõe com doçura”.

A partir desta concepção e seguindo o “método tipológico patrístico dos quatros sentidos na interpretação de toda Sagrada Escritura”, Bernardo desenvolveu todo seu pensamento assistematicamente, mas, de forma profundamente coerente e harmoniosa. Neste sentido, a filosofia para São Bernardo, “consiste na busca de Deus em sua palavra, e em saborear a sua presença, o que corresponde a uma experiência mística teologal”.  Todavia, Bernardo mesmo sendo familiarizado a esta experiência, afirmou ser impossível comunicá-la: “Quem não a experimentou, não pode saber o que ela é, e quem a experimentou é incapaz de descrevê-la”.  O êxtase, completa Gilson, “é estreitamente individual, e a experiência de um, nada informaria sobre o que foi a dos outros. Em compensação pode-se especular sobre as causas e as condições que a tornam possível”.  Fazendo, pois estas especulações a qual, parte sem dúvida da experiência da fé, Bernardo construiu uma original síntese teológica, que o tornou um grande teólogo-místico e como tal, iniciador da chamada Teologia monástica.

Assim, profundamente influenciado pela Sagrada Escritura e pela Filosofia Patrística, principalmente por Agostinho e pelos Padres Gregos, surgem os principais pontos de seu pensamento: primeiro os temas do amor e da humildade como maiores ensinamentos de Cristo que é simultaneamente o Caminho e a própria Verdade:

“É nesta dupla atitude que se resume toda nossa vida espiritual: um olhar sobre nós mesmos que nos enche de uma perturbação e de uma tristeza salutares, um olhar para Deus que vai nos permitir recobrar o alento Nele... Assim fazemos nascer em nós de um lado o temor e a humilhação, de outro a esperança e o amor”.

O segundo ponto importante é o tema da mútua procura entre Deus e o homem; entre a alma e o Verbo, entre o Esposo e a Esposa: “Procurar Deus é o bem supremo. Primeiro entre todos os dons, é também o último progresso a ser feito. Que valor teria a vida de alguém que não procurasse a Deus? E que termo assinalar a tal procura?” Sendo a fé uma resposta à revelação divina, Bernardo não hesita em dizer que nesta mútua procura, é Deus que primeiro vem ao encontro do homem e este, por ter em seu coração o desejo de Deus, por que Deus o procurou primeiro, pela fé e pela graça, ele pode ir também ao seu encontro: “Procura Senhor aquele que amas, para fazeres dele alguém que ama e procura” e ainda: “O que é admirável é que ninguém pode procurar-Te, sem antes Te ter encontrado. Queres ser encontrado para ser procurado e procurado para ser encontrado. Podes, é certo, ser procurado e encontrado, mas ninguém pode adiantar-se a Ti”.

 É precisamente desta mutua procura de Deus pelo homem e do homem por Deus, que Bernardo desenvolve sua teologia monástica demonstrando que mais do que pela razão, é pelo ato de crer que o homem alcança o perfeito e verdadeiro conhecimento de Deus, por que, a fé além de experimentar, busca Aquilo que é inelegível, transcendente. Assim, segundo o abade de Claraval, a fé tão só carece de razão, mas tem excesso de razão, uma vez que enquanto a razão ainda procura a realidade divina, a fé já busca diretamente tal realidade, quer dizer, o ponto de partida da fé, não é simplesmente o saber, a especulação, mas principalmente a experiência da realidade. 

De acordo com o evangelista São João, Deus é amor, e só conhece Deus quem ama, quem de fato o experimenta (l Jo 4,8). Este amor não é um puro conhecimento, é um conhecimento experimentativo proveniente do ato da fé, do ato de crer. Contudo, Esta supremacia da fé em relação á razão defendida por São Bernardo não está ligada à uma recusa do uso da razão ou à uma exclusão do saber e da investigação racional em si ao desenvolver seu pensamento.  Para ele, a razão enquanto uma das faculdades naturais do homem pode e deve auxiliá-lo no entendimento das coisas, do homem e de Deus princípio e fim de tudo. Todavia, como ele mesmo escreve ao referir-se às ciências, semelhante ao que ocorre em um corpo doente, o saber inútil causa um inchaço na mente e na alma. Assim, ele não ver problema algum na ciência em si, mas em todo conhecimento que não tem como finalidade a salvação da alma do homem, nem o crescimento pessoal deste:

“[...] Vedes que há ciências que ensoberbecem e outras que entristecem. Quais vos aconselharei que estudes como as mais úteis para a salvação? ...Vós sabeis muito bem que serão as segundas, visto que a salvação da alma, que o orgulho se esforça por falsificar, exige na realidade a dor... Não é a ciência que nos é proibida, mas saber mais do que é necessário... Sem dúvida toda ciência é boa em si, conquanto seja fundamentada no amor da verdade”.

Deste modo, defendendo fortemente o pensamento dos Padres da Igreja, onde toda a busca do conhecimento está centrada na questão de Deus e seus mistérios, Bernardo afirma que “todo conhecimento deve ser motivado pela fé, impulsionado pelo amor, fundamentado na verdade, pois só assim será útil e bom”.  Ou ainda como escreve o papa Bento XVI, referindo à “teologia do coração” desenvolvida pelo abade de Claraval:

“[...] para Bernardo, a própria fé está dotada de uma íntima certeza, fundada no testemunho da Escritura e no ensinamento dos Padres da Igreja. A fé, além disso, reforça-se pelo testemunho dos santos e pela inspiração do Espírito Santo na alma de cada crente. Nos casos de dúvida e de ambiguidade, a fé deve ser protegida e iluminada pelo exercício do Magistério eclesial [...]”.



Conclusão

De acordo com São Bernardo, a fé é uma realidade distinta e superior à razão. Para ele, não há lugar para um funcionamento autônomo da razão em relação ao conhecimento divino. Assim, o processo de investigação por meio da fé não só é possível, como também é seguro, pois o ato de fé trás consigo uma natural compreensão da realidade divina creditada pelas Sagradas Escrituras e pela Igreja, realizada através da ação do Espírito Santo, da meditação e da oração. Apoiado firmemente em Agostinho ao dizer que em meio à multiplicidade deste mundo, “devemos sempre aspirar a um único fim, porque nesta vida, estamos a caminho e não em morada permanente; ainda em viagem e não na pátria definitiva; ainda no tempo do desejo e não da posse plena”, concluímos que para Bernardo, nesse percurso, a fé está acima de tudo, quer dizer, a razão sempre será guiada e iluminada pela fé, pois esta é a mais alta sabedoria.

A razão, por conseguinte, pode auxiliar o homem a encontrar as verdades da fé; para daí, por meio do amor, o homem poder superar a fé e chegar à Verdade Plena. Todavia, dever haver, segundo Bernardo, um profundo e sério cuidado com a arte do pensar, uma vez que é próprio da razão humana querer submeter e questionar todas as coisas, principalmente os assuntos referentes e reservados às realidades da fé:

 “[...] O engenho humano apodera-se de tudo, nada deixando à fé. Enfrenta o que está acima de si, perscruta o que lhe é superior, irrompe no mundo de Deus, altera os mistérios da fé, em vez de o iluminar; não abre o que está fechado e selado, mas desenraiza-o, e considera nada o que não considera percorrível para si, e rejeita acreditar nisso [...]”.





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*Trabalho apresentado na Faculdade Católica de Fortaleza/CE, por ocasião de sua conclusão na disciplina de Teologia Fundamental em 2011.
Ir. Bruno Claudionor, O.Cist é monge da Congregação Brasileira dos Cistercienses, residente na Abadia de Nossa Senhora Mãe do Divino Pastor em Jequitibá, Mundo Novo/ Ba.

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