[Do tratado de São Bernardo, abade, sobre os graus
da humildade e da soberba (N. 12: EC 3, 25-26)]
Se compreendes que Cristo tem
duas naturezas em uma só pessoa, uma pela qual sempre existiu e outra na qual
começou a existir, e que segundo seu ser eterno ele conhece todas as coisas
desde sempre, mas segundo seu ser temporal conheceu muitas delas de maneira
temporal, por que hesitas em admitir que, assim como ele começou a existir
encarnado no tempo, começou também a conhecer as misérias da carne, por aquele
tipo de conhecimento que a fraqueza da carne proporciona? Nossos primeiros pais
eram mais sábios e felizes ignorando este tipo de ciência, que só puderam
adquirir por um gesto de lamentável loucura. Mas Deus, seu criador, buscando o
que havia perecido, compadeceu-se e proseguiu sua obra, descendo cheio de
misericórdia até os que haviam caído miseravelmente.
Quis experimentar em si mesmo
aquilo que mereceram sofrer por terem agido contra Ele, contudo, não pela mesma
curiosidade, mas por uma admirável caridade. E não para permanecer infeliz
entre os infelizes, mas para se fazer misericordioso e libertar os miseráveis.
Fez-se misericordioso, não daquela misericórdia que já possuía em sua eterna
felicidade, mas da que obteve através da infelicidade, em nossa condição
humana. Assim, a obra de amor que iniciara com a primeira forma de
misericórdia, completou-a com a segunda. Não que aquela não bastasse para
realizá-la, mas porque sem esta ela não seria suficiente para nós. Ambas são
necessárias, porém a segunda nos foi mais conveniente.
Ó inefável lógica do amor! Como
imaginar essa admirável misericórdia que não se forma de uma miséria anterior?
Como reconhecer essa compaixão para nós desconhecida que não foi precedida pelo
sofrimento, pois que é eterna em Deus como sua impassibilidade? Entretanto, se
essa misericórdia divina que ignora a miséria não estivesse na origem, a outra,
que tem por mãe a miséria, não teria acontecido. Se não tivesse acontecido, não
nos teria atraído; se não nos tivesse atraído, não nos teria livrado. E de onde
nos terá livrado, senão do lago de miséria e do brejo lodoso (Sl
39, 3).
Deus
não abandonou sua primeira misericórdia, mas acrescentou-lhe a segunda. Ele não
mudou e sim multiplicou, como está escrito: Salvas os homens e os animais, Senhor, como
multiplicaste, ó Deus, a tua misericórdia! (Sl 35, 7b-8 Vg).
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Obs.: Texto traduzido pelos Monges do
Mosteiro Trapista de Nossa Senhora do Novo Mundo/Brasil.
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